Roberta Sá é uma das poucas cantoras neste mundo contemporâneo e moderno e informatizado demais que consegue ser uma das melhores interpretes de sua geração. Sua voz é doce, saudável, bela e cada vez que a ouvimos cantar, mais queremos ouvi-la. Roberta saiu desses programas ditos descobridores de talento, perdeu a colocação, saiu antes do programa ir ao fim, mas foi direto para a gravadora testar a sorte grande. Lançou discos importantes para a nova MPB e, diga-se de passagem, um disco melhor que o outro. Roberta Sá simplesmente é o que há de melhor na música popular brasileira de todos os tempos, inclusive o moderno. E ter uma cantora deste porte sendo homenageada pelo Mais Cultura! desta semana significa não apenas o reconhecimento de uma excelente cantora, como a receptividade do grande público para com ela por onde ela passa.
Segunda Pele (2011 - 2012 / Universal Music – MP,B Discos / 27,99) é mais um delicioso disco de Roberta Sá, desses que a gente precisa ficar horas, dias, semanas, meses, anos escutando cada faixa, degustando cada palavra, sentindo o frescor e o aroma de tudo que nele nos transmite. O disco é perfeito, claro, objetivo e nos deixa enfeitiçado, carinhosamente satisfeito e com a sensação de que Roberta Sá fez uma compilação de músicas propositadamente para angariar o bom resultado para um excelente disco. Capa, fotos, resolução, produção, tudo se encaixa neste quarto disco de estúdio da cantora, que se firma cada vez mais como uma das principais líderes do canto feminino atual.
O disco é um dos mais ousados da carreira de Roberta, pontuado por climas e nuances distintos de Braseiro (2005) e de Quando o Canto é Reza (2010), uma justa homenagem a Roque Ferreira. A atmosfera que Roberta criou também limitou canções de protesto de Pedro Luís ou suas próprias canções, dando um ar menos intimista e deixando outros compositores abrilhantarem sua magistral carreira, ministrando juntamente com compilações raras e esquecidas e trazendo o frexo, o axé, o samba, a MPB e a bossa nova como há muito não se via por bandas de cá.
Abrindo o disco com Lua, Roberta exprime o que há dentro de si com tamanha voracidade e garra, com o grupo A Parede por todo o canto, exprimindo ali um certo contorno entre voz e arranjos. O resultado é tão satisfatório e esmagatório, que Roberta tem voz dura, energética e determinada. Segunda Pele é a segunda faixa e passa da voracidade a calmaria que a canção exige: uma doçura de música, a faixa foi escolhida para ser título de sua obra recente. Pudera: a música é perfeita para ser ouvida e cantarolada em qualquer momento, sob qualquer aspecto. Bem a Sós é uma canção divertida, rápida e absorta de qualquer sentimento, embora a canção seja um sambinha ligeiro e com a intenção de revelar o amor a uma pessoa extremamente tímida. Enquanto que O Nego e Eu é um samba rasgado, um pagode de roda e muito festeira, que mostra a adversidade rítmica e judiciosa que somente João Cavalcanti consegue exprimir.
Altos e Baixos é uma música longa, às vezes soa cansativa, mas a mensagem que Lula Queiroga e Gustavo Ruiz querem transmitir é boa e criteriosa. Esta canção nos remete, em partes, à música Belo Estranho Dia de Amanhã, do segundo álbum da cantora, Que Belo Estranho Dia Pra Se Ter Alegria (2007), cujo mais parece uma continuação, tamanha a aproximação entre harmonia e mensagem. Você Não Poderia Surgir Agora é mais uma de Dudu Falcão, especialista em levar emoção às pessoas, muitas delas cantadas por Lenine e que aqui não faz diferente.
Jorge Drexler, depois de cantar com Maria Gadú, Tiê, Maria Rita, solta a voz neste disco em uma canção própria e de uma beleza descomunal. O que até então estava brasileiro demais, Roberta resolveu importar sua rica brasilidade para terras de língua espanhola. Mas o resultado não saiu de todo ruim, porque Roberta canta bem seja em língua brasileira, seja em espanhol. Pavilhão de Espelhos, a música de trabalho, é linda, exótica e perfeita. Do mestre Lula Queiroga, grande amigo da cantora e que já lhe deu canções belas e de cunho nacional (só neste disco têm duas faixas suas), a música já é um sucesso e seu clipe já foi acessado inúmeras vezes na rede social.
No Bolso é a única canção do disco assinado por marido / esposa, no caso Pedro Luís, do sensacional grupo A Parede, com Roberta Sá e a única também que Roberta assina, tendo em vista que a cantora é uma compositora excelente e de qualidade, tendo suas músicas já gravadas por Mariana Aydar e que conseguiu êxito ainda mais reconhecido. Deixa Sangrar, de Caetano Veloso é divertido, um sambinha de carnaval que nos remete aos velhos tempos de uma saudade enorme extraída pelo tempo, aonde o carnaval era apenas um divertimento a parte. Deixa Sangrar foi uma canção já gravada por Gal Costa no ano de 1970 em seu álbum LeGal, de enorme sucesso e que virou show homônimo depois, com retumbante sucesso também.
A Brincadeira é composição de Moreno Veloso, filho de Caetano, cujo se transforma na melhor faixa do disco, sendo uma espécie de brincadeira infantil, brincadeira amorosa, brincadeira de duas pessoas que querem se divertir e se amar, onde a música de roda, de cantiga, os uniu e os deixaram felizes. E para encerrar, Arrebol, que significa alvorada, do grande mestre Wilson Moreira: para ser sincero, esta música não deveria ter um fim e a voz de Roberta poderia nunca se calar. Música esta de uma tristeza e de uma alegria embutida cujo a bela voz da cantora se faz presente e nos deixa a pergunta: existe outra cantora atual com o mesmo talento de Roberta Sá?
O novo disco da cantora saiu com um pequeno atraso e o que era para sair em Janeiro, acabou saindo em meados de fevereiro e o encarte do disco diz que o disco foi lançado originalmente em 2011, sendo que na verdade, o próprio site da cantora e segmentos indicaram que o disco sairia em Janeiro de 2012. Seja como for, valeu a espera, afinal, o novo disco de Roberta Sá é uma obra prima: literalmente.
Segunda Pele
*********Nove Estrelas
Marcelo Teixeira
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