sexta-feira, 12 de abril de 2013

A polêmica de Chico César em Odeio Rodeio




Chico: polêmica desde 2005
Chico César vem com a coragem e o bom humor suficientes para dizer - e gravar - Odeio Rodeio, uma música que parece simples, mas que carrega um peso enorme nas costas e que proporcionou a quase retirada de Chico das rádios do Brasil. A parceira de reclamação não poderia ser melhor e trouxe a tiracolo a segunda maior defensora dos animais, a cantora e compositora Rita Lee. Os dois gravaram Odeio Rodeio, música e letra de Chico e uma das duas faixas do CD Compacto e Simples, que tem também a canção Brega. Trata-se de uma inovação no formato do CD ou um revival dos antigos compactos de vinil - que continham 2 ou 4 músicas. É o quarto lançamento do selo de Chico, o Chita Discos.

Odeio Rodeio acabou se tornando um grito de guerra das entidades protetoras dos animais e o bordão dá nome à campanha lançada pela Associação Paulista de Auxílio aos Animais (Apaa), que tem até adesivos. Odeio Rodeio também estampa camisetas - uma delas usada pela cantora Pitty, que usou ostensivamente após o lançamento da canção.

 

Odeio rodeio e sinto um certo nojo

 Quando um sertanejo começa a tocar

 Eu sei que é preconceito, mas ninguém é perfeito

 Me deixem desabafar

(Trecho de Odeio Rodeio, de Chico César)

 

Rodeio e religião: se me perguntarem, digo que sou contra aquele e antipatizo com este. Mas só se me perguntarem. Tolero bem a existência destas duas expressões – a cultural e a divinação ao culto, ao ponto de buscar algo que as una em mim para que eu possa dar minha opinião. Sei que ninguém pediu, mas ideias ganham vida própria sem que digamos sim ou não.

Lá se vão quase sete anos do lançamento do desafio do cantor sertanejo Zezé di Camargo à roqueira Rita Lee para que esta provasse denúncias de maus tratos a animais durante os muitos rodeios realizados Brasil afora. Houve, por aquela época da composição, em parceria cantada com Chico César (hoje ocupando o cargo de secretário estadual de cultura da Paraíba), a proibição da canção ODEIO RODEIO, que viria enfurecer a ala pop de intérpretes de música caipira (gênero dominante em eventos country).

Polêmica velha e que se consumiu no deslinde do mau enfrentamento de ideias preconceituosas (Rita/Chico) versus defesa baseada em números (não levaram em conta o sofrimento dos animais) tais como a quantidade de empregos que os rodeios geram, retorno financeiro para as cidades que sediam grandes eventos, e que tais sertanejos usam e abusam. Reclamaram da música, reclamaram de Chico e Rita, houve muita discussão entre sertanistas com calças apertadas e cabelos arrepiados e nada pensaram sobre os animais.

Acompanhei a pantomima saboreando um bom contrafilé assado e dando razão à vegetariana Rita, mas sem dizer a ninguém minha opinião. Dizia apenas de si para si que o desnecessário e o ocre do rodeio poderiam ser testados com os peões sendo montados pelos bois e cavalos. Opinar contra isto ou aquilo, só se encostassem um punhal de prata em um dos meus olhos e dissessem: - Opine! Diga! E eu diria que sou contra rodeio, que vejo naquilo apenas crueldade e sadismo, nada mais.

 

A calça apertada, a loura suada, aquele poeirão

 A dupla cantando e um louco gritando “segura peão”

 Me tira a calma, me fere a alma, me corta o coração

 Se é luxo ou é lixo, quem sabe é bicho que sofre o esporão

(Trecho de Odeio Rodeio, de Chico César)

 

O fato é que este que vos escreve é homem comum como outro qualquer, e por ser comum tem hábitos considerados normais, anseios e ambições rastaqueras, desejos inimputáveis e sonhos tão recorrentes quanto ordinários. Ou seja, uma estrela no céu, uma gramínea no descampado, um automóvel em um congestionamento. Apenas mais um. Mais um entre tantos.

Assim sendo posso afirmar que, no mesmo instante que a música causa repulsa e estranheza, a mesma me atrai, me completa e me comove. Me atrai porque me faz observá-la (mesmo que longe); me completa porque ainda aposto que a canção poderia fazer parte de uma aventura minha e me comove pois sei que, para o indivíduo sertanejo, não é nada bom ler ou ouvir aquilo que lhe causa prazer, noutro provoca profundo, danoso e irreversível asco.

 

É bom pro mercado de disco e de gato, laranja e trator

 Mas quem corta a cana não pega na grana, não vê nem a cor

 Respeito Barretos, Franca, Rio Preto e todo o interior

 Mas não sou texano, a ninguém engano, não me engane, amor

(Trecho de Odeio Rodeio, de Chico César)

 

Todavia, não sou do tipo que faz comícios ou ergo bandeiras. Confio acreditando que as pessoas são livres para sentirem o justo, o grande e pequeno daquilo que realmente sentem, pública ou sofregamente. Só não encostem um punhal colorido em um dos meus olhos, dizendo: - Opine! Diga! Direi que sou contra o sertanejo sujo que se propaga em praça pública.

Creio piamente que ideais não devam ser impostos. Então, que os peões guardem seus punhais e deixem as pessoas refletirem a cerca de questões postas, nunca na ordenança falsa de formadores de opiniões charlatãs, que visam esconder a verdade e destroem o direito de um prazer existir naturalmente. Não acho possível que um boi pule daquele jeito só porque tem um peão em seu dorso, nem acho justo que uma parada evangélica seja realizada com dinheiro público (no único evento do interior paulista foi utilizado este expediente). Se me perguntarem, digo que sou contra. Aliás, sou contra a tudo o que seja manifestação pública: contra rodeios, contra sertanejos rotos e contra evangelizações fora do contexto.

E a polêmica Odeio Rodeio, que lançou pelo seu próprio selo e foi recusada em praticamente todos os canais de rádio e televisão para não ferir interesses econômicos óbvios e a suscetibilidade de alguns colegas, fez com que Chico César ficasse recluso por um tempo, lançando discos maravilhosos, mas que a mídia controladora não as permitiu divulga-las com exatidão. Uma pena.

 

Compacto e Simples / Chico César

Nota 10

Marcelo Teixeira

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