Gal é Gal |
Se Recanto (2013) trouxe a sonoridade
estranha, barulhenta e deliciosa de Caetano Veloso como forma de trazer à tona
toda a magnitude e potência exuberante de Gal Costa, seu mais recente álbum vem
com uma carga experimental acompanhada de jovialidade e bossa novista que deu
certo. Estratosférica (2015 / Sony Music /
27,00) não remete a Recanto,
assim como não remete a nenhum outro disco que Gal veio a lançar, mas em se
tratando de ousadia, podemos dizer que Gal acertou em cheio ao fazer este belo
álbum. A começar pela capa em que seus cabelos estão esvoaçantes e cada vez
mais negros e seu sorriso demonstrando toda a sua felicidade (e sua marca registrada),
o disco tem um regozijo que não se encontram em seus discos anteriores e nem
lembra o ar pesado e político e sombrio de Recanto.
O tropicalismo de Junio Barreto em Jabitacá
faz com que Gal reinvente um jeito novo de soletrar as palavras e fazer
desta canção uma linda história de cruzamento entre seu início de carreira e e
seu tempo real. Sem Medo Nem Esperança
(Antônio Cícero / Arthur Nogueira) remete perfeitamente ao mundo tropicalista,
com suas instrumentações intimistas e cheia de parafernália que nos tende a
crer que Gal não está de brincadeira e que no alto de seus mais de 70 anos,
ainda pode nos mostrar coisas maravilhosas. O que Gal fez foi juntar uma boa
galera atual e antiga para dar o ar da graça nesse disco. Assim como Ney
Matogrosso fizera em seus discos desde o início dos anos 2000, Gal chamou os
melhores artistas da atualidade para lhe darem canções novas e harmonias
refinadas. O que se vê em Estratosférica
é um disco bem acabado, muito bem cantado e muito bem produzido. Mas chama a
minha atenção para que todos esses adjetivos acima soassem como algo que valem
a pena uma reflexão. Todos os compositores que lhe entregaram as músicas parecem
que a fizeram como se eles mesmos estivessem cantando. Explico: a música Estratosférica (Pupillo / Junio Barreto
/ Céu), está muito perto de do disco Caravana Sereia
Bloom (2012), lançada por Céu. Assim como Quando Você Olha Pra Ela (Mallu Magalhães), sinto que mais parece
ter saído do álbum Pitanga (2009), de
Mallu. Se percebermos mais atentamente, Por
Baixo (Tom Zé) é uma continuação de Tô
e Amor Se Acalme, de Arnaldo Antunes,
Marisa Monte e Cezar Mendes, é uma continuação de Aquela, lançada por Marisa no CD Infinito
Particular (2006).
Ainda colhendo os bons frutos do disco anterior e tentando arriscar as
guitarras elétricas, Caetano surge com seu filho Zeca na composição de Você me Deu, que soaria bem em Recanto. Thalma de Freitas se junta a
João Donato para comporem a romântica e sensacional Ecstasy e Criolo aparece com Dez
Anjos, juntamente com Milton Nascimento, sendo talvez a grande parceria
inédita do disco, demonstrando toda a força dramática de ambos os compositores
para narrarem suas histórias Espelho d’água (Marcelo Camello / Thiago Camello)
é uma baladinha sentimental que nos lembra e muito o bom tempo de Los Hermanos.
Ilusão à Toa fecha com chave de ouro
o disco, fazendo com que Johnny Alf seja relembrado com muita saudade. Mesmo
sendo uma faixa que não estava prevista no álbum (e sim encomendada para ser
trilha de novela global), Gal conseguiu passar uma enorme emoção com essa
canção de 1961. Estratosférica veio para
ficar e ser o disco do ano, tendo em vista que muitos críticos de música assim
o elegeram e eu mesmo sou suspeito para dizer o contrário. Gal conseguiu reunir
um timaço de estrelas contemporâneas para darem o ar de suas graças no cenário
da música popular e conseguiu, mais uma vez, ser a estrela maior da nossa
música. Mesmo deixando Chico Buarque (que não anda tendo inspirações coerentes)
e Gilberto Gil (que não compõe há um tempo algo inédito) de lado, o novo disco
de Gal é resultado de um trabalho satisfatório, energizante, cristalino e doce.
Cantando cada vez melhor, tendo uma subordinação total de sua voz, Gal consegue
nos hipnotizar, chegando a fazer deste disco um tropicalismo sem igual,
adentrando em nossas almas assim como em nossas bocas, peles, mentes e casas. E
é por isso que Gal é Gal.
Gal é Estratosférica (2015)
Nota 9
Marcelo Teixeira
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