quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O Guelã de Maria Gadú


Guelã: Audacioso e atemporal
Maria Gadú e aquele tipo de cantora que você ouve agora, mas descarta já em seguida. Ela não é única nesse segmento expressivo de música de momento, mas para não fugir do foco, ficarei apenas em Maria Gadú. Tudo soa como estranho em Guelã (2015 / 25,99 / Slap), mais recente trabalho da cantora, que aposta no sincronismo da música de qualidade e intelectualizada (isso aconteceu com Lenine em seu recente disco Carbono) e ao mesmo tempo aposta na sonoridade diferenciada daquilo que tanto Maria Gadú já fizera como com o som que rola ultimamente por ai. Diferentemente de seus trabalhos anteriores, Maria Gadú tenta se expressar através da música como sendo uma detentora daquilo que acredita ser seu mantra: a música que adentra em nossos poros e fixa-se em nossas mentes. Se em Maria Gadú (2009) havia um lado muito biográfico da cantora e Mais uma Palavra (2011) estivesse mais próximo da virada musical da cantora e apostando já na qualidade de seu som, Guelã é adverso a tudo aquilo que Gadú já fizera, desde composições e harmonias. Não é, definitivamente, o melhor CD da cantora e esse está longe de ser uma obra-prima, mas é um grande avanço de Gadú dentro da MPB, com uma sonoridade exclusiva de uma cantora que experimenta sons hibridamente conscientes e nada simplórios. Mas nem todas as faixas são boas: Guelã precisa ser ouvido várias vezes para se chegar a um determinado comum de aprovação ou satisfação completa e ainda assim sentimos que falta algo para ser de fato um grande disco. Maria Gadú não tem uma grande voz, não tem uma presença de palco marcante e até arrisco a dizer que ela não encanta quando canta, pois está mais interessada em interpretar o não entendido do que se banhar das canções, mas não posso negar que sua participação dentro da música popular brasileira ainda é uma qualificação imprescindível. Guelã não será um disco que muitos vão parar para ouvir, comentar ou dar de presente. Será um disco passageiro, remoto, quieto, calmo, denso e atemporal na carreira de Maria Gadú. Nem todas as faixas são importantes para a complementação deste álbum: Trovoa é uma música arrastada, inquieta e que cansa demais, mas se você a ouvir outras vezes com calma, talvez tente entender a mensagem da cantora (o que para mim transpassa um lado biográfico que o compositor Mauricio Pereira talvez a tenha imaginado para ela). Destaques mesmo são as músicas Obloco e Tecnopapiro, magnífica e ambas de sua autoria, que transmitem uma atmosfera de puro êxtase vindo de sua alma lírica. Com uma facilidade incrível em inventar palavras (talvez tenha aprendido com Caetano Veloso, seu ídolo maior), Gadú colocou tudo o que queria nesse disco, fazendo com que o público se distancie de seu trabalho para se aventurar em outras searas. A começar pelo dificílimo título do álbum, Guelã, que já faz com que o trabalho seja diferente, ousado, mas ao mesmo tempo incompreensível, difuso, estranho. E em todas as faixas pode-se encontrar sons ou visões ou retratos imaginados dentro daquilo que soa como estranheza para nossos ouvidos. Retifico: o ouvinte mais atento pode se deliciar com Guelã, mas aquele que não tem paciência ou não tem parcimônia ou até mesmo não se identificar com as novidades aqui encontradas, pode simplesmente evocar seu santo e desaparecer para o sempre. Maria Gadú bebe do próprio veneno ao lançar no mercado um disco tão complexo e audacioso, tão voraz e acalentador, tão atroz e contemporâneo. A música nos dias de hoje requer um distanciamento entre o tudo e o nada, ou seja, entre o presente e o futuro e o que se busca aqui é a perfeição da imperfeição. Se você ouvir detalhadamente Guelã como quem estivesse conversando com o seu eu interior, poderá saber que Guelã é um disco delicioso, difícil, sentimental, puro e com uma energia positiva de Gadú para tentar explicar algo que existe dentro dela mesma.

Guelã (2015) / Maria Gadu
Nota 9
Marcelo Teixeira

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