Guelã: Audacioso e atemporal |
Maria Gadú e aquele tipo de cantora
que você ouve agora, mas descarta já em seguida. Ela não é única nesse segmento
expressivo de música de momento, mas para não fugir do foco, ficarei apenas em
Maria Gadú. Tudo soa como estranho em Guelã (2015 / 25,99 /
Slap), mais recente trabalho da cantora, que aposta no
sincronismo da música de qualidade e intelectualizada (isso aconteceu com
Lenine em seu recente disco Carbono)
e ao mesmo tempo aposta na sonoridade diferenciada daquilo que tanto Maria Gadú
já fizera como com o som que rola ultimamente por ai. Diferentemente de seus
trabalhos anteriores, Maria Gadú tenta se expressar através da música como
sendo uma detentora daquilo que acredita ser seu mantra: a música que adentra
em nossos poros e fixa-se em nossas mentes. Se em Maria Gadú (2009) havia um lado muito biográfico da
cantora e Mais uma Palavra (2011) estivesse
mais próximo da virada musical da cantora e apostando já na qualidade de seu
som, Guelã é adverso
a tudo aquilo que Gadú já fizera, desde composições e harmonias. Não é,
definitivamente, o melhor CD da cantora e esse está longe de ser uma
obra-prima, mas é um grande avanço de Gadú dentro da MPB, com uma sonoridade
exclusiva de uma cantora que experimenta sons hibridamente conscientes e nada
simplórios. Mas nem todas as faixas são boas: Guelã precisa ser ouvido várias vezes para se chegar a
um determinado comum de aprovação ou satisfação completa e ainda assim sentimos
que falta algo para ser de fato um grande disco. Maria Gadú não tem uma grande
voz, não tem uma presença de palco marcante e até arrisco a dizer que ela não
encanta quando canta, pois está mais interessada em interpretar o não entendido
do que se banhar das canções, mas não posso negar que sua participação dentro
da música popular brasileira ainda é uma qualificação imprescindível. Guelã não será um disco que muitos vão parar para ouvir,
comentar ou dar de presente. Será um disco passageiro, remoto, quieto, calmo,
denso e atemporal na carreira de Maria Gadú. Nem todas as faixas são importantes
para a complementação deste álbum: Trovoa
é uma música arrastada, inquieta e que cansa demais, mas se você a ouvir outras
vezes com calma, talvez tente entender a mensagem da cantora (o que para mim
transpassa um lado biográfico que o compositor Mauricio Pereira talvez a tenha
imaginado para ela). Destaques mesmo são as músicas Obloco e Tecnopapiro, magnífica
e ambas de sua autoria, que transmitem uma atmosfera de puro êxtase vindo de
sua alma lírica. Com uma facilidade incrível em inventar palavras (talvez tenha
aprendido com Caetano Veloso, seu ídolo maior), Gadú colocou tudo o que queria
nesse disco, fazendo com que o público se distancie de seu trabalho para se
aventurar em outras searas. A começar pelo dificílimo título do álbum, Guelã, que já faz com que o trabalho seja diferente,
ousado, mas ao mesmo tempo incompreensível, difuso, estranho. E em todas as
faixas pode-se encontrar sons ou visões ou retratos imaginados dentro daquilo
que soa como estranheza para nossos ouvidos. Retifico: o ouvinte mais atento
pode se deliciar com Guelã,
mas aquele que não tem paciência ou não tem parcimônia ou até mesmo não se
identificar com as novidades aqui encontradas, pode simplesmente evocar seu
santo e desaparecer para o sempre. Maria Gadú bebe do próprio veneno ao lançar
no mercado um disco tão complexo e audacioso, tão voraz e acalentador, tão
atroz e contemporâneo. A música nos dias de hoje requer um distanciamento entre
o tudo e o nada, ou seja, entre o presente e o futuro e o que se busca aqui é a
perfeição da imperfeição. Se você ouvir detalhadamente Guelã como quem estivesse conversando com o seu eu
interior, poderá saber que Guelã é
um disco delicioso, difícil, sentimental, puro e com uma energia positiva de
Gadú para tentar explicar algo que existe dentro dela mesma.
Guelã (2015) / Maria Gadu
Nota 9
Marcelo Teixeira
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