Ná Ozzetti: a entrevistada |
Ná Ozzetti acaba de lançar um dos melhores discos de sua
carreira, intitulado Embalar (2013), merecedor
de vários prêmios e sendo considerado por público e crítica como um dos
melhores lançamentos fonográficos do ano
passado. Ná já compôs com Zélia Duncan (Sobrenatural),
Luiz Tatit (Meu Quintal / Miolo / Entre o
Amor e o Mar) e a poeta Alice Ruiz (Olhos
de Camões / Baú de Guardados) e ainda tem fôlego de sobra para trabalhar
com gente nova no mercado, como o time de compositores da nova MPB, como Tulipa
Ruiz, Makely Ka e Kiko Dinucci. O disco foi produzido pela própria Ná com a
companhia do brilhante irmão, Dante Ozzetti e dos músicos Mário Manga, Sérgio
Reze e Zé Alexandre Carvalho e o selo de distribuição é o Circus e a produção
fonográfica fica por conta de Ná Records. O balé de Ná em Embalar é
tão perfeito, que chega a adentrar em nossos poros cada palavra, cada
respiração, cada melodia soltada aos poucos. Com um time que vai de Mônica
Salmaso dividindo os vocais em Minha Voz
e Juçara Marçal em Musa da Música, a
cantora nos brinda com um disco a altura de seu talento e diz que adora fazer
música em conjunto. Carismática ao extremo, a simpatia de Ná transpassa a
qualquer pessoa, através de seu sorriso sincero e de sua musicalidade que nos inspira
e nos comove. Ná Ozzetti é hoje a minha entrevistada de honra, abrindo oficialmente o leque de entrevistas para o Mais Cultura Brasileira! de 2014. Nesta entrevista, a cantora
diz que sente a falta de Itamar Assumpção, não acha suas músicas atraentes e
que a maior voz do Brasil é a de Milton Nascimento.
Marcelo Teixeira - Ná, Embalar veio
em um momento em que a música popular brasileira precisava de renovação e a sua
voz ainda é um sopro de alívio para muita gente que aspira e inspira MPB. O que
você acha disso?
Ná Ozzetti - Primeiramente agradeço o elogio! Mas são justamente as
tantas produções maravilhosas e instigantes que vejo hoje que me inspiraram.
Acho que estamos vivendo um momento especial e histórico na música brasileira,
com uma profusão de trabalhos criativos.
M.T. - Qual é o critério para compor suas músicas?
Ná - Faço sempre as músicas, deixando as letras para os
meus parceiros. Normalmente parto de idéias musicais que surgem e desenvolvo.
Não há um critério específico. O processo de desenvolver essas idéias é que me
atrai.
M.T. - Seus discos anteriores tinham muito de Itamar
Assumpção e José Miguel Wisnik e em Embalar você trouxe os
compositores mais jovens, mais atuantes na nova MPB, como Tulipa Ruiz e Makely
Ka. Por que?
Ná - Essa troca é natural. Quando fiz os discos anteriores,
estava interagindo muito com o Itamar, o Wisnik, o Tatit. Continuo trabalhando
com eles, mas o tempo traz novos criadores e gosto muito de acompanhar de perto
as produções que me estimulam e que tenho afinidade, então acabam surgindo
parcerias, inevitável.
M.T. – Em um artigo recente sobre o seu novo disco, eu citei
que Embalar era uma continuação de Estopim, lançado em 1999. Podemos ter essa ideia de
continuação?
Ná - A idéia é essa
sim. Fiquei com vontade de retomar a atmosfera sonora do Estopim.
Mas agora explorando as sonoridades e performances desta banda, com o Dante
(Ozzetti), Mário Manga, Sérgio Reze e Zé Alexandre Carvalho. É o terceiro disco
consecutivo que fazemos juntos.
M.T. - Em seus shows, a sensibilidade de sua voz e os
trejeitos sutis com as quais você nos transporta, faz com que nos apaixemos por
sua música. Você se considera uma cantora sensível ou não gosta de ser
rotulada?
Ná - Não consigo ter um olhar de fora sobre meu trabalho. O
que acontece é que o prazer por fazer música é tão grande, que algo deve bater
nas pessoas. Mas nunca penso em mim quando faço shows. A arte é maior. Gosto de
me surpreender.
M.T. - Itamar Assumpção sempre esteve muito presente em sua
música (foi através dele que eu tive total acesso à sua arte). Como era a sua relação
com ele e o que representa a falta dele dentro da MPB?
Ná - Tive o privilégio de conviver com o Itamar. Sempre fui
fã, não perdia seus shows, ficava embasbacada com tanto conteúdo, profundo,
antenado, criativo. De onde ele tirava tudo aquilo? Ele era a criação em
pessoa. Não parava de produzir. Quando propunha alguma parceria, ele
aproveitava e me mandava outras letras na sequência. Hoje, quando ouço os
discos da Caixa Preta (discografia completa lançada em
2009) continuo me surpreendendo e achando tudo muito inovador. Itamar está
presente, mais do que nunca, nos dias de hoje. Mas sinto sua falta, sempre nos
provocando.
M.T. - Trinta anos de uma carreira consolidada, com discos
sensacionais e com uma voz divina, você é uma das poucas cantoras em atividade
que conseguem lançar discos com músicas inéditas. Isso ocorreu em Meu Quintal (2011) e agora em Embalar
(2013). O que a faz compor brilhantemente e em que pensa enquanto compõe?
Ná - Obrigada pelo elogio! Mas nem acho minhas composições
tão especiais. Apenas gosto do exercício de desenvolver idéias. Esse processo é
o que norteia meu trabalho, independentemente de as canções serem de minha
autoria ou de outros compositores.
M.T. - Regravar os sucessos de Carmen Miranda em Balangandãs (2009) com maestria e dedicação lhe renderam
status de a grande dama da música brasieira. Aqui no Mais Cultura
Brasileira!, Carmen ganhou o primeiro lugar como a maior cantora
brasileira de todos os tempos e você, Ná Ozzetti, abocanhou o décimo quarto
lugar, segundo pesquisas que foram feitas. O que acha disso?
Ná - Nossa, não sabia! Fico muito feliz, claro.
M.T. - Tem alguma cantora ou cantor que gostaria de gravar um
disco em homenagem?
Ná - Por enquanto não. Não tenho idéia. Os discos que
gravei, os quais são projetos especiais, como o Love Lee Rita (1996), Show (2001), Balangandãs (2009),
não foram idéia minha. Foram convites muito bem recebidos por mim, porque de
certa forma eu me reconheci nessas propostas. Foram trabalhos que adorei
realizar. Então não costumo pensar em tributos, etc... eles é que acabam
chegando até mim.
M.T. - Vamos falar de Embalar: Juçara Marçal,
Marcelo Pretto, Mariana Furquim e Mônica Salmaso dividem algumas faixas do
disco. Por que chamou tantas vozes para dividir os vocais?
Ná - Por gostar tanto dessas vozes. Tem o Kiko Dinucci
também, em Lizete. Nós, da banda,
estávamos envolvidos com a exploração das sonoridades, timbres, o que me levou
a ter vontade de ampliar também as sonoridades do canto ao ponto de interagir
com outros cantores, outras personalidades. Adorei. Aliás o que mais gosto,
desde sempre, é de fazer música junto.
M.T. - Ultimamente estão regravando obras primas do
cancioneiro de Itamar Assumpção, como Zélia Duncan, Ney Matogrosso, Vírginia
Rosa, Mônica Salmaso. Já pensou em fazer um disco inteiro para homenagea-lo?
Ná - Amo o Itamar e sua obra! E tenho gostado muito de
todos esses tributos. Mas por enquanto me sinto muito bem na posição de
expectador.
M.T. - Embalar, a
primeira música do disco, trata-se de um presente seu para seus fãs. A Lente do Homem, a terceira faixa, fala
de fé e religião e Os Enfeitos de Cunhã,
a décima faixa, fala dos encantos da Amazônia. Este disco veio como forma de
dizer as várias facetas de Ná Ozzetti?
Ná - Embalar fala
da vida, sobretudo, de música. Cada compositor teve liberdade de explorar os
temas. Não há uma mensagem que rege as canções. Se houver, é a própria música.
M.T. - Algumas de suas músicas, como Equilíbrio em Meu Quintal ou Meu Dia D em Ná (1994), tratam
a língua portuguesa como um todo, numa forma mero-línguistica cantada, soa
rapidamente, como se fosse um trava-língua. Essa prática vem do Grupo Rumo ou é
uma forma única e exclusiva sua de cantar?
Ná - Esses trava-línguas
aparecem bastante nas minhas composições. Isso porque gosto de ficar brincando
com ritmos, daí quando vem a letra é um sufoco conseguir cantá-las. Mas me
divirto.
M.T. - Meu Quintal (2011) é um
disco que marca seus trinta anos de carreira. Posso dizer que é um disco
autobiográfico?
Ná - Parece ser, mas não é. Aliás, é e não é. Como disse,
quem explora os temas das canções são meus parceiros. Fico com a parte musical.
Quando reúno o repertório é que percebo com que cara o disco vai ficar. Daí
começa um outro processo, de criar os arranjos e as sonoridades, de acordo com
o que as canções pedem, e assim vamos dando forma ao disco. Claro que há uma
idéia que norteia o trabalho, mas gosto de me surpreender no meio do processo.
M.T. - Lizete, a
sexta faixa do disco, fala de um amor lésbico. Por que resolveu gravar uma
música tão forte como essa?
Ná - O Kiko Dinucci havia participado de um show meu em 2012
e cantamos juntos 3 composições suas, duas em parceria com Jonathan Silva e uma
com a poeta Sinhá. Desde então pensei em convidá-lo para uma participação em Embalar, com uma daquelas canções. Acabei escolhendo Lizete, porque, além do tema, gosto da
estrutura da composição, acho genial. E Lizete
faz o maior sucesso nos shows também.
M.T. - Algum projeto para depois de Embalar?
Ná - Sim, mas por enquanto gostaria de fazer muitos shows
do Embalar por esse mundo afora.
M.T. – Pense rápido: qual a maior voz do Brasil?
Ná - Milton Nascimento!
M.T. - A música brasileira mudou muito nos últimos tempos.
Seus discos são como agulha no palheiro de tão brasileiro que é e de tão
perfeitos que são. Voz e Piano, gravado com
o pianista André Mehamari em 2005 é um disco perfeito, assim como Ná, de 1994, que traz uma vertente e uma variante de sons e
variações de mensagens. Mas na sua opinião, qual o melhor disco da sua
carreira?
Ná – Ainda não sei dizer.
M.T. - Tulipa Ruiz fecha o disco Embalar com
a música Pra Começo de Conversa,
juntamente com a sua autoria. Você já desenhou uma pétala de rosa no disco de
estreia dela e esta é a primeira parceria das duas, cujo saiu perfeito. Pensam
em trabalhar juntas num futuro próximo?
Ná - Não há nada combinado, mas tenho a impressão de que é
só começar.
Entrevista com Ná Ozzetti
Por Marcelo Teixeira
Nenhum comentário:
Postar um comentário