sexta-feira, 14 de março de 2014

Entrevista com Ná Ozzetti




Ná Ozzetti: a entrevistada

Ná Ozzetti acaba de lançar um dos melhores discos de sua carreira, intitulado Embalar (2013), merecedor de vários prêmios e sendo considerado por público e crítica como um dos melhores lançamentos fonográficos  do ano passado. Ná já compôs com Zélia Duncan (Sobrenatural), Luiz Tatit (Meu Quintal / Miolo / Entre o Amor e o Mar) e a poeta Alice Ruiz (Olhos de Camões / Baú de Guardados) e ainda tem fôlego de sobra para trabalhar com gente nova no mercado, como o time de compositores da nova MPB, como Tulipa Ruiz, Makely Ka e Kiko Dinucci. O disco foi produzido pela própria Ná com a companhia do brilhante irmão, Dante Ozzetti e dos músicos Mário Manga, Sérgio Reze e Zé Alexandre Carvalho e o selo de distribuição é o Circus e a produção fonográfica fica por conta de Ná Records. O balé de Ná em Embalar é tão perfeito, que chega a adentrar em nossos poros cada palavra, cada respiração, cada melodia soltada aos poucos. Com um time que vai de Mônica Salmaso dividindo os vocais em Minha Voz e Juçara Marçal em Musa da Música, a cantora nos brinda com um disco a altura de seu talento e diz que adora fazer música em conjunto. Carismática ao extremo, a simpatia de Ná transpassa a qualquer pessoa, através de seu sorriso sincero e de sua musicalidade que nos inspira e nos comove. Ná Ozzetti é hoje a minha entrevistada de honra, abrindo oficialmente o leque de entrevistas para o Mais Cultura Brasileira! de 2014. Nesta entrevista, a cantora diz que sente a falta de Itamar Assumpção, não acha suas músicas atraentes e que a maior voz do Brasil é a de Milton Nascimento.


 

Marcelo Teixeira -  Ná, Embalar veio em um momento em que a música popular brasileira precisava de renovação e a sua voz ainda é um sopro de alívio para muita gente que aspira e inspira MPB. O que você acha disso?

Ná Ozzetti - Primeiramente agradeço o elogio! Mas são justamente as tantas produções maravilhosas e instigantes que vejo hoje que me inspiraram. Acho que estamos vivendo um momento especial e histórico na música brasileira, com uma profusão de trabalhos criativos.

M.T. - Qual é o critério para compor suas músicas?

- Faço sempre as músicas, deixando as letras para os meus parceiros. Normalmente parto de idéias musicais que surgem e desenvolvo. Não há um critério específico. O processo de desenvolver essas idéias é que me atrai.

M.T. - Seus discos anteriores tinham muito de Itamar Assumpção e José Miguel Wisnik e em Embalar você trouxe os compositores mais jovens, mais atuantes na nova MPB, como Tulipa Ruiz e Makely Ka. Por que?

- Essa troca é natural. Quando fiz os discos anteriores, estava interagindo muito com o Itamar, o Wisnik, o Tatit. Continuo trabalhando com eles, mas o tempo traz novos criadores e gosto muito de acompanhar de perto as produções que me estimulam e que tenho afinidade, então acabam surgindo parcerias, inevitável.

M.T. – Em um artigo recente sobre o seu novo disco, eu citei que Embalar era uma continuação de Estopim, lançado em 1999. Podemos ter essa ideia de continuação?

-  A idéia é essa sim. Fiquei com vontade de retomar a atmosfera sonora do Estopim. Mas agora explorando as sonoridades e performances desta banda, com o Dante (Ozzetti), Mário Manga, Sérgio Reze e Zé Alexandre Carvalho. É o terceiro disco consecutivo que fazemos juntos.

M.T. - Em seus shows, a sensibilidade de sua voz e os trejeitos sutis com as quais você nos transporta, faz com que nos apaixemos por sua música. Você se considera uma cantora sensível ou não gosta de ser rotulada?

- Não consigo ter um olhar de fora sobre meu trabalho. O que acontece é que o prazer por fazer música é tão grande, que algo deve bater nas pessoas. Mas nunca penso em mim quando faço shows. A arte é maior. Gosto de me surpreender.

M.T. - Itamar Assumpção sempre esteve muito presente em sua música (foi através dele que eu tive total acesso à sua arte). Como era a sua relação com ele e o que representa a falta dele dentro da MPB?

- Tive o privilégio de conviver com o Itamar. Sempre fui fã, não perdia seus shows, ficava embasbacada com tanto conteúdo, profundo, antenado, criativo. De onde ele tirava tudo aquilo? Ele era a criação em pessoa. Não parava de produzir. Quando propunha alguma parceria, ele aproveitava e me mandava outras letras na sequência. Hoje, quando ouço os discos da Caixa Preta (discografia completa lançada em 2009) continuo me surpreendendo e achando tudo muito inovador. Itamar está presente, mais do que nunca, nos dias de hoje. Mas sinto sua falta, sempre nos provocando.

M.T. - Trinta anos de uma carreira consolidada, com discos sensacionais e com uma voz divina, você é uma das poucas cantoras em atividade que conseguem lançar discos com músicas inéditas. Isso ocorreu em Meu Quintal (2011) e agora em Embalar (2013). O que a faz compor brilhantemente e em que pensa enquanto compõe?

- Obrigada pelo elogio! Mas nem acho minhas composições tão especiais. Apenas gosto do exercício de desenvolver idéias. Esse processo é o que norteia meu trabalho, independentemente de as canções serem de minha autoria ou de outros compositores.

M.T. - Regravar os sucessos de Carmen Miranda em Balangandãs (2009) com maestria e dedicação lhe renderam status de a grande dama da música brasieira. Aqui no Mais Cultura Brasileira!, Carmen ganhou o primeiro lugar como a maior cantora brasileira de todos os tempos e você, Ná Ozzetti, abocanhou o décimo quarto lugar, segundo pesquisas que foram feitas. O que acha disso?

- Nossa, não sabia! Fico muito feliz, claro.

M.T. - Tem alguma cantora ou cantor que gostaria de gravar um disco em homenagem?

- Por enquanto não. Não tenho idéia. Os discos que gravei, os quais são projetos especiais, como o Love Lee Rita (1996), Show (2001), Balangandãs (2009), não foram idéia minha. Foram convites muito bem recebidos por mim, porque de certa forma eu me reconheci nessas propostas. Foram trabalhos que adorei realizar. Então não costumo pensar em tributos, etc... eles é que acabam chegando até mim.

M.T. - Vamos falar de Embalar: Juçara Marçal, Marcelo Pretto, Mariana Furquim e Mônica Salmaso dividem algumas faixas do disco. Por que chamou tantas vozes para dividir os vocais?

- Por gostar tanto dessas vozes. Tem o Kiko Dinucci também, em Lizete. Nós, da banda, estávamos envolvidos com a exploração das sonoridades, timbres, o que me levou a ter vontade de ampliar também as sonoridades do canto ao ponto de interagir com outros cantores, outras personalidades. Adorei. Aliás o que mais gosto, desde sempre, é de fazer música junto.

M.T. - Ultimamente estão regravando obras primas do cancioneiro de Itamar Assumpção, como Zélia Duncan, Ney Matogrosso, Vírginia Rosa, Mônica Salmaso. Já pensou em fazer um disco inteiro para homenagea-lo?

- Amo o Itamar e sua obra! E tenho gostado muito de todos esses tributos. Mas por enquanto me sinto muito bem na posição de expectador.

M.T. - Embalar, a primeira música do disco, trata-se de um presente seu para seus fãs. A Lente do Homem, a terceira faixa, fala de fé e religião e Os Enfeitos de Cunhã, a décima faixa, fala dos encantos da Amazônia. Este disco veio como forma de dizer as várias facetas de Ná Ozzetti?

- Embalar fala da vida, sobretudo, de música. Cada compositor teve liberdade de explorar os temas. Não há uma mensagem que rege as canções. Se houver, é a própria música.

M.T. - Algumas de suas músicas, como Equilíbrio em Meu Quintal ou Meu Dia D em (1994), tratam a língua portuguesa como um todo, numa forma mero-línguistica cantada, soa rapidamente, como se fosse um trava-língua. Essa prática vem do Grupo Rumo ou é uma forma única e exclusiva sua de cantar?

- Esses trava-línguas aparecem bastante nas minhas composições. Isso porque gosto de ficar brincando com ritmos, daí quando vem a letra é um sufoco conseguir cantá-las. Mas me divirto.

M.T. - Meu Quintal (2011) é um disco que marca seus trinta anos de carreira. Posso dizer que é um disco autobiográfico?

- Parece ser, mas não é. Aliás, é e não é. Como disse, quem explora os temas das canções são meus parceiros. Fico com a parte musical. Quando reúno o repertório é que percebo com que cara o disco vai ficar. Daí começa um outro processo, de criar os arranjos e as sonoridades, de acordo com o que as canções pedem, e assim vamos dando forma ao disco. Claro que há uma idéia que norteia o trabalho, mas gosto de me surpreender no meio do processo.

M.T. - Lizete, a sexta faixa do disco, fala de um amor lésbico. Por que resolveu gravar uma música tão forte como essa?

- O Kiko Dinucci havia participado de um show meu em 2012 e cantamos juntos 3 composições suas, duas em parceria com Jonathan Silva e uma com a poeta Sinhá. Desde então pensei em convidá-lo para uma participação em Embalar, com uma daquelas canções. Acabei escolhendo Lizete, porque, além do tema, gosto da estrutura da composição, acho genial. E Lizete faz o maior sucesso nos shows também.

M.T. - Algum projeto para depois de Embalar?

- Sim, mas por enquanto gostaria de fazer muitos shows do Embalar por esse mundo afora.

M.T. – Pense rápido: qual a maior voz do Brasil?

- Milton Nascimento!

M.T. - A música brasileira mudou muito nos últimos tempos. Seus discos são como agulha no palheiro de tão brasileiro que é e de tão perfeitos que são. Voz e Piano, gravado com o pianista André Mehamari em 2005 é um disco perfeito, assim como , de 1994, que traz uma vertente e uma variante de sons e variações de mensagens. Mas na sua opinião, qual o melhor disco da sua carreira?

– Ainda não sei dizer.

M.T. - Tulipa Ruiz fecha o disco Embalar com a música Pra Começo de Conversa, juntamente com a sua autoria. Você já desenhou uma pétala de rosa no disco de estreia dela e esta é a primeira parceria das duas, cujo saiu perfeito. Pensam em trabalhar juntas num futuro próximo?

- Não há nada combinado, mas tenho a impressão de que é só começar.

 

Entrevista com Ná Ozzetti
Por Marcelo Teixeira

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