Gonzaguinha: ídolo |
Morto
em 1991, Gonzaguinha ainda consegue se impor como um dos mais brilhantes e
coerentes artistas de seu tempo. Com uma voz que denunciava a tudo e a todos, o
cantor era o centro das atenções quando lançava um disco e conseguia exprimir
todos os seus sentimentos e politicagem num mesmo álbum. Suas músicas foram
marcadas pelo temperamento forte de um homem capaz de vomitar no prato da
família brasileira tudo aquilo que estava entalado em sua garganta, na mais
profunda rebeldia, tristeza, angustia e ânsia por um resultado satisfatório.
Sim, Gonzaguinha faz uma tremenda falta. E quando ouço suas músicas, um
sentimento insano me invade a alma e adentra em meus poros e eu preciso gritar
o mais alto possível, pois sei que Gonzaguinha é, pra mim, um dos cantores e
compositores que conseguiu extrair de mim a minha revolta contra tudo e todos.
Desde a política imposta neste país até a mais singela borboleta que pousa num
tronco de árvore ou a água que jorra da torneira pelo ralo sem destino certo,
Gonzaguinha me transmitiu todo o verdadeiro caminho musical a qual eu um dia
iria transitar. Dono de uma inteligência sagaz e única, Gonzaga tem em sua
musicalidade os mais belos e revoltosos versos, que foram compostos com um amor
e um ódio voraz, com uma alegria e uma ansiedade transparente e com
determinação e ousadia que poucos ousavam à época.
Nos dias de hoje, suas
músicas me vêm à mente com muito mais frequência e isso me faz ter em meus
catálogos todos os seus discos. Sinto-me um homem realizado, feliz,
contemporâneo quando ouço suas músicas e me sinto ainda mais homem quando sei
que o mesmo foi genuinamente brasileiro, guerreiro, poderoso, artista, único,
vivo, esperto, político, humano, triste, um homem que redescobria as palavras,
os trejeitos musicais, o universo feminino, a depressão, o trabalhador, o
negro, o crime passional, o suicídio.
Suas músicas me transpassam
a verdade nua e crua de um homem sensivelmente desesperado com o futuro que ele
não viria a conhecer e transitar. Gonzaguinha foi o herói de um tempo sem
tempo, com sua voz forte, pesada, dura, mas que muitas vezes soava sereno,
quase um sussurro. Sinto sua falta quando o ouço cantar e muitas vezes penso o
que teria produzido após os anos subsequentes a sua morte. Teria sobrevivido ao
rock progressivo e impostado pelos anti-heróis daquele verão? Teria sucumbido
ao estilo da lambada cantarolada por homens descalços e mulheres seminuas?
Teria aguentado a ira pueril da onda pagodeira?
Sua voz e sua música
continuam mais vivas e fortes do que nunca. A cada dia o cantor tem mais fãs,
curiosos com o aparecimento e morte repentina de um grande artista, que, acima
de tudo, fora um grande homem. A música cantada por Gonzaguinha nos anos
complicados do país servem hoje de inspiração para o que vemos na TV, nos jornais
e revistas eletrônicas sobre as mortes anunciadas, sobre os suicídios, sobre a
política, sobre os homens.
Se a Cássia Eller elegeu Chico Buarque como seu verdadeiro pai, elevo à minha própria consciência a importância e soberania de Gonzaguinha, o considerando meu pai musicalmente.
Ah, que falta faz um
Gonzaguinha na música de hoje...
Gonzaguinha
– o herói de um tempo sem tempo
Marcelo
Teixeira
Um comentário:
Emocionante o seu relato.
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