Dentre as intérpretes femininas que compõem a nova geração da música popular brasileira, Virgínia Rosa surge como uma voz de personalidade. Ela é paulistana, filha de mineiros e tem traços característicos de negros e índios. É justamente essa miscelânea, historicamente bem sucedida, que faz da cantora um dos nomes indispensáveis para pessoas interessada em boa música. Uma voz potente, precisa e, acima de tudo, sedutora, interpretando as várias facetas e ritmos do Brasil.
“Eu era um pouco caipira, meio coió. Eu não tinha a linguagem de vocês, universitários.”, disse certa vez Virginia.
O pai cantava música sertaneja e tocava bombardino. Em família, formou repertório e banda. Teve aula de teoria musical com Arrigo. Vestida de coração, fez vocais para Tetê Espíndola em Escrito nas estrelas.
Hoje estou formal: o nome dela é Virgínia Rosa, anuncia Itamar Assumpção em show gravado ao vivo na Funarte, 1982. E foi justamente a Isca de Polícia, banda de Itamar, a grande escola de Virgínia - Gente, que som!, lembra a cantora. A Isca estreou no Pauliceia Desvairada com figurinos confeccionados por Dona Ida, mãe de Arrigo. Virgínia cantou na banda por cinco longos anos. Virgínia Rosa seguiu carreira com a Mexe com Tudo. Conviveu com mais grandes músicos, excursionou pela Europa, se lançou cantora. Seu primeiro álbum-solo é Batuque, que lançou Chico César e Lenine.
Disco lançado em 2008: belo |
Depois de contribuir com o verso vale a pena não dormir para esperar no samba-canção Faz Escuro Mas Eu Canto, que compôs em três dias de 1964 com o poeta Thiago de Mello, o sambista Monsueto sentiu falta de algo. Quis incluir um cochila na pausa após o esperar. Cansa demais a noite inteira sem dormir, tentou justificar, uma cochilada alivia e dá força à esperança. A soneca ficou de fora da versão final, mas era sempre lembrada por refugiados que, no Chile, se fiavam naquela canção de esperança em tempos de ditadura no Brasil. Quase 45 anos depois, a história é contada pelo coautor no encarte de Baita Negão (2008 / Mesa Dois Produções / 29,99) , de Virgínia Rosa.
O quarto álbum da cantora paulista contempla em 11 faixas sambas feitos (alguns em parcerias) pelo compositor, cantor, ator e pintor carioca Monsueto Menezes (1924-1973), hoje muito esquecido pelo público. No disco, gravado com patrocínio da Petrobras, Virgínia busca ressaltar a verve criativa do Comandante como era conhecido, graças a esquetes que fazia na TV Rio, que lançou gírias como morou? e diz aí.
Monsueto era uma figura interessantíssima e, embora suas músicas sejam conhecidas nas vozes de cantores como Caetano (Mora na Filosofia, de Monsueto e Arnaldo Passos) e Alaíde Costa e Milton Nascimento (Me Deixa em Paz, com Ayrton Amorim), pouca gente se lembra dele. Resultado, talvez, da escassa discografia do sambista, que teve apenas um álbum lançado em vida, Mora na Filosofia dos Sambas de Monsueto, de 1962, e uma coletânea póstuma, Raízes do Samba, de 2000.
Em Baita Negão, Virgínia interpreta, além das canções já citadas, sambas como Lamento da Lavadeira (que entrou em medley com Ensaboa, de Cartola, no disco Mais, de Marisa Monte) e Eu Quero Essa Mulher Assim Mesmo (também gravada por Caetano, em Araçá Azul) nesta última, Martinho da Vila divide os vocais com a cantora. Para dar a dimensão da multiplicidade de Monsueto, convidou 11 produtores, um para cada faixa, incluindo Celso Fonseca (em Mora na Filosofia), Jair de Oliveira (A Fonte Secou) e Proveta (no pot-pourri final, com participação de Oswaldinho da Cuíca).
O disco merece todos os aplausos possíveis por todos os méritos gerados por Virginia Rosa, artista completa, cantora de qualidade extrema e de bela voz potente e cortante. De todas as interpretes geradas nestes últimos anos no Brasil, Virginia é, sem quaisquer resquícios de dúvidas, a melhor cantora capacitada a resgatar pérolas esquecidas pelo tempo.
Nota 10
Baita Negão / Virginia Rosa
Marcelo Teixeira
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