Maria Gadú é dessas cantoras que quanto mais você a ouve, mais perto você a quer. Sua voz muitas vezes enjoa, cansa, deteriora os ouvidos, mas quando estamos de bom humor, sua voz enaltece nossa alma e eleva nosso sorriso e, para amantes da boa música, sente a leveza e pureza de sua poesia cantada. Isso me aconteceu quando ela lançou seu primeiro belo disco, Maria Gadú (2009, Som Livre, 29,99): era música na novela do horário nobre, música nos comercias e músicas nas ruas, alto falantes, nos MP3 etc. Uma canseira ouvir Maria Gadú, ainda porque sua canção Shimbalauê era a mais executada em todos os quatro cantos do país. Maria Gadú surgiu como um verdadeiro achado para salvar a música popular brasileira e esse achado se deu bem no início, com tamanho talento e voracidade na sua voz e nas belas letras.
Mas com tanta agressividade pública da cantora em televisão, programas de rádios e internet, a imagem de Gadú foi cansando a tal ponto que suas músicas passaram a ser chatas. Rotineiras. Cansativas. Bobas. Precisava de um descanso o mais rápido possível e foi justamente isso o que ela fez: se reclusou e ficou quietinha no seu canto.
Prometi a mim mesmo que não compraria um disco sequer de Maria Gadú. Talvez pela canseira que ela tenha me dado e talvez pelas excentricidades que a própria cantora tenha lançado depois do belo disco de estreia. Lançou um disco ao vivo por um canal pago, mas esse disco é tão ímpar em sua carreira, que nem compensa comentar. Em seguida veio o chato disco com Caetano Veloso, com as mesmas repetições de seus outros dois discos anteriores e foi neste ponto que Maria Gadú se mostrou fadigosa, talvez pelas repetições. Mas neste interim de canções velhas e batidas, eis que surge uma nova Maria Gadú, capaz de nos enfeitiçar, nos enlouquecer e nos endiabrar com suas belas músicas.
O novo disco de Gadú, lançado em 2011 |
Mais Uma Página (2011, Slap, 29,99) é um disco totalmente diferente do primeiro a começar pela sonoridade, que está mais pop e mais estrangeiro e por canções mais singelas e fáceis de serem cantadas. Mesmo assim, Maria Gadú não está para brincadeiras e neste disco ela convidou pesos pesados de grande nome e com variantes distintas às suas. O disco é bonito, a capa é de uma beleza pura e o encarte é perfeito. Como ela mesma escreveu nesse encarte, “nasceu a fina flor”. Não podemos, em hipótese alguma, comparar este disco com o primeiro e a única comparação que faço é a qualidade. Talvez tentando impressionar o grande público logo de cara, no primeiro disco a cantora nos brindou com Chico Buarque (em uma música muito antiga e esquecida), uma música em francês de Edith Piaf e com canções próprias, canções essas que são de um profissionalismo puro e maduro.
Mais Uma Página é o inverso de um passeio lírico e vai além das fronteiras que tentaram impedir o caminho da cantora nesse intervalo em que lançava um disco ao vivo e a compilação com Caetano. Músicas realmente bonitas fazem parte deste estribilho saudável e charmoso, que vale a pena conferir.
No Pé do Vento é o pseudônimo do título do álbum e é uma canção que gruda em nossas mentes puramente por ser fácil de cantar, nos enfeitiça e encanta, o que não acontece com Tarengué, que mais se parece com Shimbalauê, do primeiro disco. Pode não parecer, mas Gadú tem suas preferências indígenas e isso fica mais que provado nessas duas canções e talvez, em seu terceiro disco, venha mais um pertencente a tribo. Estranho Natural é perfeita, rápida, com um toque de quero mais. Um recado dado numa forma lisonjeira e natural. Em Reis ela canta, grita, estoura seus poros e destoa todo o seu carisma para provar que é uma cantora diferente. Axé Acappella é uma música complicada, mas nem assim ruim. É longa, extensa, mas mesmo com esses itens, Gadú consegue dar conta do recado.
Oração ao Tempo é cansativa e parece que Gadú pegou gosto de reverenciar Caetano Veloso. A música é uma das mais regravadas do cantor e neste disco ele fica um pouco mais enxuta e bonita. Mas Maria Gadú não é só uma cantora de regravações, tanto que gravou músicas a altura de uma verdadeira artista, talvez pensando num futuro próximo. Músicas como Linha Tênue, Estranho Natural e Reis demonstram o quanto a artista pensa em sua carreira para daqui a um tempo. As canções são de uma naturalidade extrema, capaz de nos fazer apaixonar pela cantora num piscar de olhos.
Pensando, quiça, numa carreira internacional, Gadú grava neste disco duas canções em inglês, uma em espanhol e um fado, pouquíssimo ouvido por terras brasileiras. Algumas cantoras já tentaram implantar a música lusitana por aqui, caso da atriz e cantora Bibi Ferreira e do legitimo português Roberto Leal, além de Caetano Veloso ter gravado uma música totalmente em português no disco Cê e todos foram de enorme sucesso no passado. Mesmo assim, Gadú apostou firmemente no fado e o resultado é extraordinário.
Participações de Lenine, Jorge Drexler, Dani Black e Marco Rodrigues, Maria Gadú prova, com Mais uma Página, que sua página virou e que está pronta e hábil para qualquer eventualidade, dando tapas de luva de pelico em pessoas que não a conhece musicalmente e que não está para brincadeiras de fazer músicas para agradar uma única vez. Ela canta, encanta, compõe, diverte e regrava pérolas que muitas vezes soa batido (caso de Amor de índio), mas que no fundo fica a sensação de nova, inédita. Uma artista que não precisa de rótulos para ser chamada de cantora. E se no primeiro disco, Maria Gadú se mostrou um pouco cansativa, neste segundo disco mais autoral e autêntico, ela não deixou de ser ela mesma: uma cantora espetacular e genial.
**********Dez Estrelas
Marcelo Teixeira.
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