segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O Quintal de Ná Ozzetti


Ná Ozzetti é uma cantora completa: dona de uma rica e intensa voz, ela consegue nos deixar baqueados com tamanha autenticidade e vigor. Suas músicas são perfeitas, seus sons são originais e sua magistral carreira é pautada por um senso comum que beira o lirismo e a poesia num conjunto de correntes que é capaz de nos fazer sentir na alma a verdadeira música popular brasileira. Completando trinta anos de carreira (o que é um feitio e tanto para quem vive de música no Brasil), Ná nos presenteia com um disco inédito e com músicas pra lá de sensacionais.
A cantora Ná Ozzetti

Nascida em uma família de músicos, formou-se em artes plásticas, e iniciou a carreira de cantora no fim dos anos 70, cantando no grupo Rumo. Em 1988 lançou o primeiro disco solo, Ná Ozzetti, pelo qual ganhou o prêmio Sharp na categoria cantora revelação. Seis anos depois veio o disco , que conquistou a crítica com seu apuro técnico, ganhando dois prêmios Sharp, inclusive o de melhor disco. Identificada com a vanguarda paulista, Ná Ozzetti lançou em 1996 LoveLee Rita, um disco em homenagem a outra paulistana de sucesso, Rita Lee, dando uma atmosfera mais intimista e mais formal as composições da roqueira. Fundou sua própria gravadora, a Ná Records, que lançou em 1999 o disco Estopim, talvez o melhor de sua carreira. Em seu repertório há composições próprias, de seu irmão Dante Ozzetti, Itamar Assumpção, Luiz Tatit e José Miguel Wisnik. Em 2000 participou do Festival da Música Brasileira, promovido pela TV Globo, com a música Show, de Luiz Tatit, e acabou ganhando o prêmio de melhor intérprete, tendo um disco com músicas da década de 1940 e 1950 no belo e caprichado disco Show, em 2001.
O penúltimo disco da cantora foi o maravilhoso e sensacional Balangandãs (2009, Ná Records / MCD, 34,99), cujo ganhou o prêmio Bravo Prime: o disco é um delicioso passeio pela seara inestimável de criatividade e bom humor de Assis Valente, Dorival Caymmi, Synval Silva, Ary Barroso e João de Barro. O disco, na verdade, é uma bela homenagem à Carmen Miranda, por isso o título Balangandãs e tem sucessos cantados até hoje por diversos cantores, como Disseram que Voltei Americanizada, E o Mundo Não Se Acabou, Tico-Tico No Fubá, Adeus Batucada, Diz que Tem entre outras pérolas.

Meu Quintal, albúm lançado em 2011


Meu Quintal (2011, Borandá / Ná Records, 24,99) é um disco ímpar na carreira da cantora. Ao invés de relançar seus outros discos ou de regravar sucessos antigos ou de se ver emaranhada no grupo Rumo (da qual fizera parte no início de carreira), Ná preferiu unir o útil ao agradável e fazer canções com um sentimentalismo puro e um feitiço no repertório, capaz de nos fazer apaixonar a primeira audição. Músicas charmosas, bonitas, elegantes e perfeitas fazem deste disco o verdadeiro quintal de Ná Ozzetti, o verdadeiro ambiente íntimo e criativo de uma das maiores cantoras do País. O quintal de Ná Ozzetti é cerceado de segredos, mistérios e não há demagogias para que essa parte de sua casa seja cercada de amigos queridos e que fizeram parte de um terço de sua vida, dividindo esse quintal também com seu público fiel, cativo e que sempre a acompanhou.
Não tenho palavras para descrever o quanto este disco é sensacional. Capa, contra capa, fotos, desenhos e som são um brilho a parte e ouvir e ouvir e ouvir Ná Ozzetti neste disco é reverenciar o que há de melhor sendo produzido ultimamente na música popular brasileira, contemporânea e universal. Dante Ozzetti, seu irmão e parceiro em algumas faixas, continua sendo seu constante escudeiro e detentor de caprichos inestimáveis.

O disco abre com Meu Quintal, que dá título ao álbum e soa como um retrato autobiográfico da cantora: nessa faixa, ela revela os detalhes de seu quintal, ou tenta nos fazer sonhar com um quintal perfeito, que tem rio, farol, futebol e matagal. A segunda faixa é a trava língua A Velha Fiando, de Dante Ozzetti e Luiz Tatit, dois meros linguísticos que gostam da forma rápida de cantar. A música tem um mistério, incapaz de desvendar e inábil de nos revelar pelo teor de magia e arte. Baú de Guardados é uma combinação perfeita entre Alice Ruiz, grande amiga e defensora da boa música, a mãe de Tulipa Ruiz, grande revelação da música popular brasileira nos últimos anos. Esse baú de guardados faz parte do quintal autobiográfico de Ná e se transforma numa das melhores faixas do disco.
Tupi é uma canção leve e gostosa de ouvir, assim como Ser Estar, que em sua repetição de palavras até nos remete a velhas canções que usavam o termo. O resultado de ambas acaba sendo admirável e espontânea. Equilíbrio é a música mais rápida e a verdadeira trava língua que é a característica de Ná Ozzetti e Luiz Tatit: um jogo rápido de palavras, que a primeira audição não se entende nada, mas que com o tempo é uma divertida junção de esperteza e ironia as voltas com os equilíbrios e desiquilíbrios da vida.
Caricatura de Ná

Onde a Vista Alcança é a música mais triste e sentimental do disco, mas mesmo assim tem um charme e uma mensagem espetacular: a vida de alguém que partiu, a morte como mote e tema. Uma sensação de alma lavada ao ouvir essa música, dando a dimensão de que a morte é a lembrança mais saudável de uma perda. Acordo de Amor é tão bonita que acaba sendo impossível não repetir a canção por diversas vezes. Sobrenatural é uma canção enigmática de Zélia Duncan com Ná e os arranjos são tão perfeitos que a sobre naturalidade passa a ser algo comum. A canção Língua Afiada é mais uma de Tatit, que deixa nítido sua predileção pela língua: o músculo que menos se comenta do corpo humano, mas que é afiada e fica mole dentro de uma boca dura.
Encerrar o disco ouvindo Entre o Amor e o Mar é praticamente sentir Itamar Assumpção por perto, vivo, inerte, rindo, sentindo cada faixa entrarem em seus poros como se fossem para ele mesmo as canções. Uma música leve, doce, quente e perfeita para dizer ao final “que estou indo já já” é mesmo um termo para dizer que Ná Ozzetti, com seu brilho e criatividade, está pronta para nos direcionar a mais um capítulo de sua parte. Dar espaço dentro de seu quintal, para que canções saborosas e ulteriores façam parte de nossas vidas é deixar que o amor, a sabedoria, a paz interior e os esquecimentos de uma vida suburbana, fria e tenebrosa existem lá fora, bem longe do nosso quintal.

DISCOGRAFIA SOLO:
·       NÁ OZZETTI – 1988 – Warner/Continental – relançamento MCD
·       – 1994 – Ná Records – relançamento MCD
·       LOVE LEE RITA – 1996 – Dabliú Discos
·       SHOW – 2001 – Som Livre – relançamento Biscoito Fino
·       PIANO E VOZ – André Mehmari e Ná Ozzetti – 2005 - lançamento MCD
·       DVD PIANO E VOZ – André Mehmari e Ná Ozzetti – 2006 – direção Guto Carvalho - lançamento MCD
·       BALANGANDÃS – 2009 – Ná Records – lançamento MCD
·       MEU QUINTAL – 2011 – Ná Records – lançamento Borandá

********** Dez Estrelas.
Marcelo Teixeira.

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