segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Os mistérios de Mariana Aydar e seu Cavaleiro Selvagem


Mariana Aydar é uma cantora que não gosta do mesmo. Inova, renova, reinventa-se e interpreta a cada disco uma composição que lava sua alma, que inebria seus sentimentos, que dispa sua pele e que cubra seus poros. Trata-se de uma cantora misteriosa e os mistérios de Mariana são muitos, tantos que nem ela mesma sabe desvendá-los. É preciso parcimônia para que o ouvinte possa descobrir qual o seu verdadeiro segredo e qual o sentido de suas palavras, a direção de seu caminho ou o disparo certeiro de cada canção. Mariana é tudo isso e mais um pouco, é um tiro certo no claro, um disparate zombeteiro da própria dor e alegria.


O novo disco de Mariana Aydar


Mas que mistérios têm Mariana Aydar? Mariana canta bem, expressa bem, tem energia de palco, concentração, pureza, leveza, magia, encanta o publico e eleva seu bom humor as profundezas mais fundas do corpo que a assiste. Embebeda o semblante da alma mais desumana e sensibiliza ou tranquiliza a pessoa mais lunática. Mariana tem vigor, energia, pulsação, carisma e, sobretudo, musicalidade. Coloca todos os ritmos em seus discos, em seus shows e é uma das cantoras mais promissoras daqui um tempo não muito distante. Seus discos trazem pensamentos, sambas, forrós, maracatus e um certo iâmbismo capaz de nos fazer pensar por dias. Politicamente incorreta, Mariana tem em seu passaporte o carimbo da maturidade artística.
Cavaleiro Selvagem Aqui Te Sigo (2011, Universal, 24,90) é um disco audacioso. Capa e contra capa mostram uma Mariana distinta de seus outros dois álbuns (embora esteja mais próxima de Peixes, Pássaros, Pessoas, lançado em 2010 no quesito autenticidade), e trás músicas difíceis de serem compreendidas, porém, não é um álbum nulo, que poderá vir a ser esquecido pelo público, mas será um disco, futuramente, pouco comentado da cantora. E pela primeira vez, Mariana Aydar não compôs nenhuma faixa para este álbum.


O disco é uma homenagem à Dominguinhos, o Cavaleiro Selvagem. E nos revela treze faixas distintas, entre regravações e novidades. A mais bela canção é uma parceira de Dante Ozzetti (irmão da maravilhosa cantora Ná Ozzetti e compositor que já foi gravado por Ceumar, Zélia Duncan, Chico Cesar, Itamar Assumpção, Virginia Rosa, entre outros) e Luiz Tatit, um linguístico e professor das palavras, intitulado Os Passionais, uma música que inverte palavras, que trata a desunião formal como forma de amor cego e cabal. Thalma de Freitas, atriz, cantora e compositora, aparece com Não Foi em Vão, uma melodia que fala das diretrizes do coração, do amor machucado e rasgado por uma paixão não entendida.
Mariana dá brilho e perfeição em Vai Vadiar, grande sucesso na voz de seu padrinho Zeca Pagodinho. A bem da verdade, Mariana sempre cantarolou esta música em seus shows e até em apresentações televisivas para ver se o público aprova (Vanessa da Mata sempre faz isso) e o resultado é diferente do sambão que consagrou a carreira de Zeca: uma melodia densa, carregada de sentimentos e com palavras fortes, mostra toda a versatilidade criativa ao transformá-la em quase bolero. Preciso do Teu Sorriso é um forró pé de serra que conta com a participação honrosa do grande homenageado, Dominguinhos. Uma música linda, estonteantemente bela e enegrecida de uma poderosa voz, mansa e madura ao mesmo tempo.
O Homem da Perna de Pau é um forró que assusta na introdução, mas que aos poucos ganha um certo respeito. Mariana gosta de gravar forrós, tendo em vista que já o fizera no primeiro disco, Kavita 1. O resultado é bom, mas não é uma música que impere no disco. Cavaleiro Selvagem, a música que dá título ao disco, é boa de ouvir e de encerrar o álbum, a doce voz de Mariana, praticamente sussurrando é uma alegria e satisfação imensa em escutar. Floresta é uma música de protesto, que tem uma interpretação esdruxula de Tiganá e que não acrescenta em nada no disco. Galope Rasante, grande sucesso de Zé Ramalho, não deveria ser regravada, tendo em vista que não combinou com o disco.


Mariana canta bem em inglês e demonstra sua versatilidade cantando Nine Out Of Ten, de Caetano Veloso. Uma música alto astral, contagiante e é a primeira vez que a cantora envereda pelo estrangeirismo em seus discos. Porto é uma melancolia profunda e arrastada, mas não de todo ruim. E Vinheta da Alegria é a derradeira, com seus versos cortantes e sua veia pulsante.
Alguns dos mistérios de Mariana estão soltos por ai e foram distribuídos para que você o pegue e o faça dele uma arma para se aprimorar de seu trabalho. Mas espero que esses mistérios nunca sejam revelados, para que Mariana Aydar possa nos presentear com um disco a altura de seu talento.

Sete Estrelas
Marcelo Teixeira.

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