Carioca
de nascimento, Rodrigo Maranhão nunca escondeu a raiz nordestina tão presente
em sua canção, que vai do xote ao baião, passando obrigatoriamente por samba,
embolada e até pela valsa. Paralelamente à carreira solo, Rodrigo integra o
grupo Bangalafumenga e, no momento, lança Passageiro, o segundo álbum solo.
Assumido minimalista (no sentido da depuração), Rodrigo trabalha mais com a
tesoura em suas belas canções. Rodrigo Maranhão não esconde o orgulho de ter
obra marcada por canções nas vozes consagradas de Maria Rita (Caminho das águas), Roberta Sá (Olho de boi e a ótima Samba de um minuto), Fernanda Abreu (Dance, dance e Baile da pesada), Anna Luisa (Baião
digital e O osso) e Zélia Duncan
(Gringo guaraná).
De seu primeiro e
surpreendente disco solo, Bordado(2007), Rodrigo Maranhão
trouxe, além do já inconfundível estilo de compor e cantar brasileiro, a
variedade de ritmos e gêneros. Variedade, claro, calcada nas duas grandes
veredas da música brasileira, o samba (urbano) e o baião (rural). Mas se lá, em
Bordado,
ele apresentou quase um manifesto pelo direito de sua geração de continuar a
fazer simplesmente uma música brasileira ampla e em Passageiro, mais maduro
Rodrigo põe tudo em dúvida, questiona ritmos e gêneros, é ora metalinguístico,
ora onírico. Sempre e ainda surpreendente.
Senão ouçam Samba quadrado, o samba irônico e
metalinguístico que abre o CD (anunciando o espírito da coisa): se na letra ele
diz que tentou fazer um samba importado/
um samba quadrado/um samba só, na música tudo suinga, tudo balança, do
pandeiro de Pretinho da Serrinha e da guitarra de Thiago di Sabatto, ao
quarteto de cordas arranjado por Leandro Braga.
No mesmo espírito de
estranhamento com ritmos e gêneros estão a Valsa
lisérgica, única parceria do disco, a letra de Pedro Luís cheia de imagens
loucas também no espírito da coisa; o Quase
um fado, gravado entre Rio e Lisboa, com direito à voz potente do português
Antônio Zambujo, em quem, aliás, Rodrigo se inspirou para fazer a canção, depois
de assistir um concerto dele no Rio; o sambão Um samba pra ela, popular e escorreito na melodia, com direito à
suingueira do trombone de Zé da Velha e o trompete de Silvério Ponte, além do
sax soprano do produtor Zé Nogueira reforçando o naipe e o suingue, mas em cuja
letra também irônica e metalinguística revela-se que tentei fazer um samba pra ela/ mas a palavra se nega/ não me dá
satisfação.
Conhecedor dos meandros da
canção brasileira, como se vê, Rodrigo Maranhão se dá ao luxo de brincar com
ela, de por vezes virá-la ao avesso. É o caso da faixa mais pop do disco, Camaleão, conduzida pela orquestra
percussiva de Marçal e pela deslumbrante flauta baixo de Andrea Ernest Dias,
tocada com o sopro evidente, à maneira de Hermeto Pascoal, e com a letra
propondo um negaceio típico deste trabalho: No
inverno posso ser verão/ Ser um só e ser camaleão. É também o caso do lindo
xote Maria sem vergonha, a orquestra
percussiva desta vez a cargo de Marcos Suzano, o arranjo minimalista conduzido
pelo órgão Hammond vintage de Marcelo Caldi e pela guitarra de Ricardo
Silveira, um misto de coisas velhas e formas novas para a letra que confessa: Volto ao velho e companheiro cais/ Para
espiar no mar de tantas eras/ O que ainda é novo e o que ficou pra trás.
A produção de Zé Nogueira,
aliás, privilegia o acústico e o minimalismo que as canções de Rodrigo pedem,
ou melhor, exigem. As cordas e o piano são usados, por exemplo, de forma
parcimoniosa (e deslumbrantes, com direito também a solo do sax de Zé Nogueira)
por Leandro Braga em De mares e Marias,
canção de amor de feição clássica, mas com letra cheia de dúvidas, tão no
espírito do disco: Pode ser que a noite
queira dizer tanta coisa, tanta coisa/ Mais de uma vez, eu sei/ Pode o amor
passar/ Ninguém saber.
Espírito do disco, aliás,
que pode ser resumido no baião onírico Sonho:
Se é sonho ou verdade/ Eu não sei. Ou
mais ainda na embolada-canção (com direito a rabeca de Siba) que não por acaso
dá título ao disco, Passageiro, que
encerra o trabalho com um conselho daqueles de cego cantador e que deve ser
seguido à risca: Pra chegar no fim do
verso/ É preciso ficar quieto.
Com todos esses ensinamentos
e soberania sobre música popular brasileira e pelo novo talento surgido nos
últimos anos, é que Rodrigo Maranhão encabeça a sexta colocação da lista dos 10
Melhores Cantores dos Últimos 10 Anos. Merecidamente.
Sexto
Lugar: Rodrigo Maranhão
Os
10 Melhores Cantores dos Últimos 10 Anos
Marcelo
Teixeira
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