Elis em momento sublime |
Falso Brilhante
é um dos discos mais emblemáticos da carreira de Elis Regina e foi um álbum que
marcou uma época através de seus trejeitos, nuances, formas e equilibrio, que
até hoje é muito comentado e lembrado por fãs que tem cada passo da cantora na
mente. Praticamente nenhum outro cantor ousou em cantar as músicas
imortalizadas por Elis, exceto Como
Nossos Pais, que vez por outra uma cantora aqui ou outra ali se esquiva na
interpretação e tentam se igualar à Pimentinha, num erro tosco e grosseiro.
Elis se transforma em um dos melhores e maiores discos de sua lavra e Falso Brilhante fez a efervescência musical e teatral nos
anos de 1976. Como não vivi a época deste espetáculo (eu viria a nascer alguns
anos mais tarde), Falso Brilhante é um relato deixado
por quem viveu intensamente naquele ano e é um registro de uma parte do
repertório da bem-sucedida turnê de mesmo nome, na qual Elis se apresentou
durante meses no Teatro Brigadeiro, em São Paulo, lotando a casa com cerca de
1000 lugares todos os dias. Os relatos
sobre o show a qual tive contato são impressionantes e, para escrever este
artigo, me fartei de inúmeros materiais audiovisuais e conversas com pessoas
que pararam suas vidas para ficarem horas na fila do ingresso ou simplesmente
perderem seus respectivos trabalhos.
Vale
ressaltar que a turnê de Falso Brilhante só
chegou a um fim antes do previsto, porque Elis ficou impossibilitada
fisicamente para continuar com o espetáculo, só para se ter uma ideia da
intensidade do show. E pela primeira vez nesses anos todos de Mais Cultura!, eu me prezo sobre os dízeres de terceiros
para me aventurar numa áerea em que pouco atuo: o de entrevistar pessoas
anônimas sobre determinado espetáculo. Confesso que curti muito conversar com
essas pessoas e saber mais sobre os anos de chumbo e cujo a censura ainda
ministrava algo no país. Estar com essas pessoas aumentava ainda mais a minha
voracidade em poder escrever sobre um dos discos mais importantes da música
popular brasileira.
Falso Brilhante
tem 10 faixas, todas gravadas em estúdio e que abarcam inúmeros estilos. Uma
novidade e tanta à MPB e até mesmo a musicalidade de Elis, é que o disco vinha
com uma forte influência do rock, com presença marcante da percurssão e das
guitarras e além disso, o disco serviu para Elis mostrar aos críticos que era
mais que uma cantora, era uma intérprete de verdade. Acreditando ou não em sua
música, Elis foi acusada de ser manipuladora, fria e sem emoção a partir do
álbum Elis, de 1973 (no qual está a linda É Com Esse Que eu Vou) e isso se deve ao
fato de que, naquele período, a cantora ser obcecada em melhorar seu registro
vocal e atingir a perfeição de sua voz. Isso fez com que ela fosse duramente
criticada em todos os sentidos, mas, depois que ela amadureceu artisticamente,
fez com que fôssemos presenteados com sua grande voz em um grande disco, como
este de 1976.
Abrindo
o disco com o maior sucesso até hoje cantado, Como Nossos Pais, que mistura rock e MPB num lirismo profano e em
plena ditadura militar, a música falava da falta de esperança na juventude
acomodada que queria mudar o mundo, mas
ficava no mesmo conforto de seus lares observando os aflitos de longe. A música
passa a ser um soco no estômago de muita gente que queria ficar parada no
tempo, a espera de um milagre qualquer. A música foi um adendo para que
Belchior, o compositor, virasse estrela de primeira grandeza e, sem querer,
Elis gravaria Velha Roupa Colorida,
uma extensão da primeira, mas sem a carga depressiva e autoritária que ela
carregava.
Fascinação é o clássico do disco, ainda que
não destoe de arranjos modernos demais. Esta música também é muito conhecida,
tanto pelo seu puro mito cristalino quanto pela interpretação emocionada que
ganhou. Jardins de Infância, da dupla
João Bosco e Aldir Blanc, é uma ótima letra, com excelente ritmo e que aqui
também é magistralmente interpretada. Quero,
de Thomas Roth, representa a porção folk de todo o disco, logo quebrada com a
praticamente flamenca Gracias a la Vida,
que é entoada em seguida.
E
surge O Cavaleiro e os Moinhos, da
dupla Bosco/Aldir, uma canção introspectiva, que marca ainda mais a
dramaticidade de Elis. Para encerrar com chave de ouro, não havia coisa melhor
do que ter Chico Buarque e sua Tatuagem
(em companhia de Ruy Guerra), com uma letra romântica, suave, tenra, doce, generosa.
Todo grande disco tem que ter, por obrigação, uma canção de Chico e aqui não
foi diferente.
Falso Brilhante
foi o maior sucesso da cantora em vida (e até hoje comentado). Assim como o
show é considerado revolucionário, transgressor e antológico, sempre constando
nas listas dos melhores, Elis não tinha a certeza de que estava entrando,
definitivamente, para o rol das grandes divas brasileiras (mesmo cantando, às
vezes, músicas que não a representaram em algumas fases de sua vida).
Imparcialidade de lado (eu mesmo já critiquei severamente Elis em artigos nada
pomposos), Falso Brilhante é o melhor disco brasileiro
de todos os tempos, igualando com O Canto das Três Raças,
de Clara Nunes, lançado também em 1976, ou Álibi, lançado por
Maria Bethânia em 1978.
Se
na época foi um tapa de luva na cara de quem se recusava a acreditar na
espontaneidade de sua intérprete, hoje é a mais marcante lembrança dela e
daquela geração que, através de sua arte, driblou a censura, a ditadura, os
moralismos e os coronéis para expressar seus sentimentos com uma forma
verdadeira. Elis nos faz crer na música, na sua música e no Brasil mais justo,
onde a habilidade de mostrar-se nua e crua é a mesma habilidade de cantar com
vestes de palhaço como se fossêmos palhaços. Músicas com respostas bem diversas
e subjetivas, mas que cabem perfeitamente aqui, já que Falso Brilhante
é um trabalho que foi símbolo de uma geração, de uma carreira, de uma vida, de
uma diva, de Elis Regina.
Falso Brilhante / Elis Regina
Nota 10
Marcelo Teixeira
2 comentários:
só faltou citar Los Hermanos, de Atahualpa Yupanqui, que tbm faz parte dessa porção latinoamericana do disco.
Como nossos pais - só os calouros cantam,os cantores consagrados não encaram.
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