A nova fase de Chico em 1995 |
Uma Palavra (1995 / BMG / 22,99) é o 29° disco da carreira de
Chico Buarque e é um paradoxo fascinante do ponto de vista crítico de um
artista completo. Entre as quinze faias não figura sequer uma única composição
inédita, mas o disco em si parece ser inédito, principalmente por novos adeptos
ao mundo buarqueano. Todas as músicas, no entanto, compartilham ao menos três
unanimidades sequenciais de beleza, sofisticação e intelectualidade. A primeira
unanimidade visivel é que as quinze faixas integraram o repertório do show Paratodos, que rodou o Brasil entre 1993
e 1994. A segunda unanimidade é que nenhuma delas figura no álbum com esse
mesmo nome que Chico lançaria dois anos antes, no caso, 1993. A terceira
unanimidade e, de longe, o mais importante, é que em comum, Chico trouxe ao
disco Uma Palavra todas as composições de maior
relevância uma interpretação e releitura novas, idealizando assim, uma nova
roupagem para músicas como Rosa
(1979), Samba e Amor (1969) ou Pelas Tabelas (1984).
Canções tão
diversas e distantes entre si no tempo, como Valsa Brasileira (1988) e Amor
Barato (1981) tiveram estruturas rítmicas praticamente reinventadas e o
resultado foi um disco marcante para o seu lançamento (1995), em que a obra de
Chico Buarque explora novas e ricas fronteiras no território da musicalidade. Uma Palavra foi também o primeiro disco de Chico lançado no
formato CD.
O disquinho, na
verdade, é um discão. Capa bem caprichada, mostrando um Chico ao mesmo tempo
novo e entrando na terceira idade, mistuando-se entre uma foto antiga, faziam
toda a diferença. Sua faixa de abertura, Estação
Derradeira, fora gravada originalmente no disco Francisco,
de 1987. Morro Dois Irmãos, a
seguinte, se alia à primeira e formam hinos agridoces ao Rio de Janeiro, em
cujas letras se misturam entre o fascínio e as mazelas da cidade.
Este clima mais
denso é quebrado na sequencia pela doçura da valsa-choro Ela é Dançarina, que fora gravada para o disco Almanaque (1981). Ofuscada na
gravação original por obras-primas como As
Vitrines ou O Meu Guri, a música
desta vez explodiu. Ela narra o divertido relacionamento de um casal que mal se
encontra diante da natureza de suas ocupações. Samba e Amor é a canção gravada no esquecido disco Chico Buarque de Hollanda 4, de 1969 e que ficou famosa na
interpretação malemolente de Caetano Veloso. A Rosa, música que lhe fora encomendada pelo astro italiano Sergio
Endrigo e Joana Francesa, composta em
1973 para um filme de Cacá Diegues, em cuja letras Chico faz incríveis jogos
poéticos bilíngues, faz com que o disco soe mais atual.
O Futebol é um samba-homenagem aos craques Pelé
e Mané Garrincha, Didi, Pagão e Canhoteiro, ídolos confessos de Chico. As
canções finais do disco são marcos consideráveis e de maior relevância da
carreira magistral de Chico. A assanhada e aquecida Pelas Tabelas tornou-se involuntariamente o hino da campanha pelas
Diretas Já. Eu Te Amo é uma das mais
belas parcerias entre Chico e Tom Jobim, praticamente dispensa comentários. Valsa Brasileira fora composta pelo
amigo de longa data Edu Lobo e transformou-se em uma pérola clássica da MPB.
O deboche suave
do samba Amor Barato, o balanço
pessoal altamente poético contido nos versos de Vida e, por fim, a faixa-título são de uma beleza retumbante.
Embora um tanto hermética, Vida ainda
é uma tocante homenagem de Chico à matéria-prima de seu trabalho. Mesmo
atravessando boa atuação da crítica e de fãs (que triplicaram desde o
lançamento de Paratodos, em 1993), Chico resolveu ficar
enclausurado no segundo semestre de 1995, escrevendo entre a ponte áerea
Rio/Paris seu segundo romance, Benjamim.
Antes de
aventurar-se pelas ideias de um cinquentão que revê sua vida sendo fuzilada,
Chico Buarque nos presenteou com um belo disco, com clássicos de sua carreira,
nos brindando, mais uma vez, com sua intelectualidade perversa, ácida e, ao
mesmo tempo, impressionante.
Nota 10
Marcelo Teixeira
Nenhum comentário:
Postar um comentário