sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A palavra de Chico Buarque



A nova fase de Chico em 1995

Uma Palavra (1995 / BMG / 22,99) é o 29° disco da carreira de Chico Buarque e é um paradoxo fascinante do ponto de vista crítico de um artista completo. Entre as quinze faias não figura sequer uma única composição inédita, mas o disco em si parece ser inédito, principalmente por novos adeptos ao mundo buarqueano. Todas as músicas, no entanto, compartilham ao menos três unanimidades sequenciais de beleza, sofisticação e intelectualidade. A primeira unanimidade visivel é que as quinze faixas integraram o repertório do show Paratodos, que rodou o Brasil entre 1993 e 1994. A segunda unanimidade é que nenhuma delas figura no álbum com esse mesmo nome que Chico lançaria dois anos antes, no caso, 1993. A terceira unanimidade e, de longe, o mais importante, é que em comum, Chico trouxe ao disco Uma Palavra todas as composições de maior relevância uma interpretação e releitura novas, idealizando assim, uma nova roupagem para músicas como Rosa (1979), Samba e Amor (1969) ou Pelas Tabelas (1984).

Canções tão diversas e distantes entre si no tempo, como Valsa Brasileira (1988) e Amor Barato (1981) tiveram estruturas rítmicas praticamente reinventadas e o resultado foi um disco marcante para o seu lançamento (1995), em que a obra de Chico Buarque explora novas e ricas fronteiras no território da musicalidade. Uma Palavra foi também o primeiro disco de Chico lançado no formato CD.

O disquinho, na verdade, é um discão. Capa bem caprichada, mostrando um Chico ao mesmo tempo novo e entrando na terceira idade, mistuando-se entre uma foto antiga, faziam toda a diferença. Sua faixa de abertura, Estação Derradeira, fora gravada originalmente no disco Francisco, de 1987. Morro Dois Irmãos, a seguinte, se alia à primeira e formam hinos agridoces ao Rio de Janeiro, em cujas letras se misturam entre o fascínio e as mazelas da cidade.

Este clima mais denso é quebrado na sequencia pela doçura da valsa-choro Ela é Dançarina, que fora gravada para o disco Almanaque (1981). Ofuscada na gravação original por obras-primas como As Vitrines ou O Meu Guri, a música desta vez explodiu. Ela narra o divertido relacionamento de um casal que mal se encontra diante da natureza de suas ocupações. Samba e Amor é a canção gravada no esquecido disco Chico Buarque de Hollanda 4, de 1969 e que ficou famosa na interpretação malemolente de Caetano Veloso. A Rosa, música que lhe fora encomendada pelo astro italiano Sergio Endrigo e Joana Francesa, composta em 1973 para um filme de Cacá Diegues, em cuja letras Chico faz incríveis jogos poéticos bilíngues, faz com que o disco soe mais atual.

O Futebol é um samba-homenagem aos craques Pelé e Mané Garrincha, Didi, Pagão e Canhoteiro, ídolos confessos de Chico. As canções finais do disco são marcos consideráveis e de maior relevância da carreira magistral de Chico. A assanhada e aquecida Pelas Tabelas tornou-se involuntariamente o hino da campanha pelas Diretas Já. Eu Te Amo é uma das mais belas parcerias entre Chico e Tom Jobim, praticamente dispensa comentários. Valsa Brasileira fora composta pelo amigo de longa data Edu Lobo e transformou-se em uma pérola clássica da MPB.
 
O deboche suave do samba Amor Barato, o balanço pessoal altamente poético contido nos versos de Vida e, por fim, a faixa-título são de uma beleza retumbante. Embora um tanto hermética, Vida ainda é uma tocante homenagem de Chico à matéria-prima de seu trabalho. Mesmo atravessando boa atuação da crítica e de fãs (que triplicaram desde o lançamento de Paratodos, em 1993), Chico resolveu ficar enclausurado no segundo semestre de 1995, escrevendo entre a ponte áerea Rio/Paris seu segundo romance, Benjamim.

Antes de aventurar-se pelas ideias de um cinquentão que revê sua vida sendo fuzilada, Chico Buarque nos presenteou com um belo disco, com clássicos de sua carreira, nos brindando, mais uma vez, com sua intelectualidade perversa, ácida e, ao mesmo tempo, impressionante.

 
Uma Palavra / Chico Buarque
Nota 10
Marcelo Teixeira


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