sábado, 8 de outubro de 2016

Daniela Mercury: do axé à MPB


Daniela: rainha da axé
Sempre digo que a música baiana é dividida em blocos importantes: a primeira retrata a música de Dorival Caymm e Assis Valente, o segundo bloco é representado pela onda de baianidade intelectualizada formada por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Baby do Brasil, Moraes Moreira e outros e o terceiro e mais importante bloco é representado apenas por uma única mulher, que revolucionou a música com três palavras determinantes: ginga, energia e determinação. A década de 1990 foi marcada pela geração de Daniela Mercury, que conseguiu uma legião de fãs por todo o Brasil com sua voz, sua dança, seu balé, sua sofisticação e seu axé. Estávamos saindo de uma onda roqueira, embalada por roqueiros e bandas com alguma simpatia cordial e estavámos enojados com o pagode brejeiro de grupos multifacetados que aspiravam a demagogia do riso forçado, que caminhava lado a lado com as duplas sertanejas que ascendiam lareiras fervilhantes, mas que nada se comparava aos mitos Chitãozinho e Xororó. As únicas cantoras que estavam no posto de donas da vez eram díspares em suas camadas musicais, sendo elas Marina Lima no rock e Daniela Mercury no chamado axé, pois Marisa Monte, que vinha de um disco maravilhoso de 1988 e Adriana Calcanhotto, que receberia as glórias em 1990, duelavam entre si pelo posto mais alto da música, mas o caminho de Daniela estava livre para mostrar o seu talento e, de quebra, aquilo que ninguém até então tinha ouvido cantar, falar e comentar. Ao longe e timidamente, cantoras do naipe de Cássia Eller, Zélia Duncan, Fernanda Abreu apareciam aqui ou ali em apresentações medianas. Mas 1991 foi um divisor de águas na carreira meteórica de Daniela Mercury, que nesta altura já tinha desistido de ser bailarina para se tornar a maior estrela da música nacional. Arrastou multidões com a música Swing da Cor (1991), que lhe rendeu centenas de shows e lhe valeu a fama de cantora das multidões. De fato, não havia uma cantora nacional com aquela popularidade enorme e Daniela tinha todos os atributos para ser a rainha do axé. Daniela Mercury era um fenômeno por onde passava e o axé tinha uma representante à altura. Com coreografias sensacionais, a cantora deixou seu nome registrado na música nacional como sendo a maior de todos os tempos. Depois de seu sucesso estrondante, artistas do naipe de Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque passaram a reverenciar sua voz, seu canto e seu estilo e a tornaram ainda mais em evidência: era o primeiro passo da cantora no mundo da MPB. A bem da verdade, Daniela já flertava com a música popular brasileira em algumas faixas de seus discos e esse sempre foi o desejo da baiana em ser um dia uma cantora distante do axé. Não que o estilo fosse negativo, mas Daniela sempre almejou ser uma nova Gal Costa, dando a chance de mostrar para outros públicos o quanto sua voz poderia ser privilegiada fora de um contexto elétrico. Com a chegada de Ivete Sangalo e, mais tarde, de Claudia Leite, Daniela deu vazão para o mundo da MPB e foi abandonando aos poucos a axé que um dia lhe consagrou. A mudança não surtiu tanto efeito assim para os fãs ardorosos da cantora, mas Daniela soube usar a inteligência e já havia sacado que se não mudasse de estilo o mais rápido possível, poderia cair no ostracismo. Não foi o que aconteceu: com ótimas releituras e com a voz ainda mais valorizada, Daniela conseguiu respeito e admiração de um público cada vez maior e que conseguia nutrir uma satisfação nada egocêntrica de sua parte. Daniela conseguiu mostrar sua voz para a cidade e realizou o sonho de ser uma menina baiana que um jeito que Deus dá.

 

Daniela Mercury: do axé à MPB
Por Marcelo Teixeira

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