Daniela: rainha da axé |
Sempre digo que a música baiana é
dividida em blocos importantes: a primeira retrata a música de Dorival Caymm e
Assis Valente, o segundo bloco é representado pela onda de baianidade
intelectualizada formada por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria
Bethânia, Baby do Brasil, Moraes Moreira e outros e o terceiro e mais
importante bloco é representado apenas por uma única mulher, que revolucionou a
música com três palavras determinantes: ginga, energia e determinação. A década
de 1990 foi marcada pela geração de Daniela Mercury,
que conseguiu uma legião de fãs por todo o Brasil com sua voz, sua dança, seu
balé, sua sofisticação e seu axé. Estávamos saindo de uma onda roqueira,
embalada por roqueiros e bandas com alguma simpatia cordial e estavámos enojados
com o pagode brejeiro de grupos multifacetados que aspiravam a demagogia do
riso forçado, que caminhava lado a lado com as duplas sertanejas que ascendiam
lareiras fervilhantes, mas que nada se comparava aos mitos Chitãozinho e
Xororó. As únicas cantoras que estavam no posto de donas da vez eram díspares
em suas camadas musicais, sendo elas Marina Lima no rock e Daniela Mercury no
chamado axé, pois Marisa Monte, que vinha de um disco maravilhoso de 1988 e Adriana
Calcanhotto, que receberia as glórias em 1990, duelavam entre si pelo posto
mais alto da música, mas o caminho de Daniela estava livre para mostrar o seu
talento e, de quebra, aquilo que ninguém até então tinha ouvido cantar, falar e
comentar. Ao longe e timidamente, cantoras do naipe de Cássia Eller, Zélia
Duncan, Fernanda Abreu apareciam aqui ou ali em apresentações medianas. Mas
1991 foi um divisor de águas na carreira meteórica de Daniela Mercury, que
nesta altura já tinha desistido de ser bailarina para se tornar a maior estrela
da música nacional. Arrastou multidões com a música Swing da Cor (1991), que lhe rendeu centenas de shows e lhe valeu a
fama de cantora das multidões. De fato, não havia uma cantora nacional com
aquela popularidade enorme e Daniela tinha todos os atributos para ser a rainha
do axé. Daniela Mercury era um fenômeno por onde passava e o axé tinha uma
representante à altura. Com coreografias sensacionais, a cantora deixou seu
nome registrado na música nacional como sendo a maior de todos os tempos.
Depois de seu sucesso estrondante, artistas do naipe de Gal Costa, Caetano
Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque passaram a reverenciar sua voz, seu canto
e seu estilo e a tornaram ainda mais em evidência: era o primeiro passo da
cantora no mundo da MPB. A bem da verdade, Daniela já flertava com a música
popular brasileira em algumas faixas de seus discos e esse sempre foi o desejo
da baiana em ser um dia uma cantora distante do axé. Não que o estilo fosse
negativo, mas Daniela sempre almejou ser uma nova Gal Costa, dando a chance de
mostrar para outros públicos o quanto sua voz poderia ser privilegiada fora de
um contexto elétrico. Com a chegada de Ivete Sangalo e, mais tarde, de Claudia
Leite, Daniela deu vazão para o mundo da MPB e foi abandonando aos poucos a axé
que um dia lhe consagrou. A mudança não surtiu tanto efeito assim para os fãs
ardorosos da cantora, mas Daniela soube usar a inteligência e já havia sacado
que se não mudasse de estilo o mais rápido possível, poderia cair no
ostracismo. Não foi o que aconteceu: com ótimas releituras e com a voz ainda
mais valorizada, Daniela conseguiu respeito e admiração de um público cada vez
maior e que conseguia nutrir uma satisfação nada egocêntrica de sua parte. Daniela
conseguiu mostrar sua voz para a cidade e realizou o sonho de ser uma menina
baiana que um jeito que Deus dá.
Daniela
Mercury: do axé à MPB
Por
Marcelo Teixeira
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