Gog: uma voz na multidão |
Há uma certa emoção e um pouco de
alívio ao ouvir o cantor de rap Gog, estrela entre as estrelas do mundo das
rimas perfeitas, quando ele canta a música Brasil
com P, canção que é totalmente cantada pela palavra P no seu início. Gog é
um cantor da periferia, das massas pobres que pensam, dos proletáriados que
acordam cedo para ganhar o pão de cada dia, das mulheres fortes, dos homens
comuns. No Brasil sempre houve cantores políticos: Chico Buarque, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Criolo, Seu Jorge, mas o mais político foi Gonzaguinha e
vendo Gog cantar o que canta hoje, sinto que a música popular brasileira, sem
rotulagem, se transforma em um Gonzaguinha dos gritos esbaforidos, do beijo na
bandeira amarrada num saco plástico, no homem de olhar atento e arregalado que espera a mulher passar para passar em seguida. Gog é
um nome forte contra o governo nacional, contra as mazelas e cóleras que
assombram Brasília, que luta a favor dos pobres e discrimina a elite denominada
de grandeza secular que insiste em comandar o país. Um cantor verdadeiramente
brasileiro, desses raros que encontramos no cenário nacional, dos poucos que
dão a cara a bater e que não tem medo do que canta. Aliás, Gog canta, escreve,
contesta, irrita, anima, estimula e cresce quando sua voz emerge nos palcos
cantando justamente sobre os problemas sociais que estão aqui, ali, na esquina,
nos bares, na vida pública e privada de todos nós. Gog nasceu em Brasília e seu
nome de batismo é Genival Oliveira Gonçalves e desde os anos de 1990 tenta
trilhar um caminho destinado à música. Conseguiu com grande mérito se tornar
hoje um dos grandes nomes nacionais do rap, movimento que causa furor e
constrangimento para a chamada classe burguesa. Mas Gog é muito mais do que uma
abreviação: ele é a música em pessoa. Ao ouvirmos a música Brasil com P, temos a nítida sensação de que era disso que
precisávamos para acordar e dizer que o Brasil é uma grande frustração e ao mesmo
tempo uma grande nação. Mas há também, como contesta a canção, o homem
trabalhador que acorda cedo e busca melhorar seu dia com muito esforço,
mostrando que aqui e ali há peças fundamentais para o andamento do país.
Contradizendo a história, Brasil com P
tem dois elementos básicos representativos ontem, hoje, amanhã e sempre: o
preto, pobre e periférico contra o político privilegiado que recebe todas as honrarias e méritos que o
preto e pobre deveria honrar. Se não fosse o bastante, Gog conseguiu transformar
Brasil com P em uma obra-prima ao
compor a música toda pela letra P, fazendo deste momento uma história comum e
real de duas esferas humanas e irracionais. A canção por si só e na voz
magistrosa, poderosa, firme e decidida de Gog já valeria por milhões e milhões
de canções politizadas existentes no mundo, mas a participação definitiva,
corajosa e rica de Maria Rita fazendo coro ao fundo, ganha um brilho a mais e
faz com que Brasil com P seja uma
música forte, certeira e um hino contra a magistração irregular do homem
poderoso e viril. Maria Rita não canta, mas empresta sua voz para ser a mulher
que chora num lamento fúnebre, arrancando arrepios e sensações adversas ao
tentar balbuciar algo que está preso em sua garganta. Após a explosão de Gog, a
música encerra e o sopro de Maria Rita se cala. Gog a abraça num acalanto. Brasil com P é isso: um peso na
consciência de quem muito deve e um sopro de alívio de quem nada teme.
Brasil com P /
Gog e Maria Rita
Nota 10
Marcelo Teixeira
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