sexta-feira, 12 de junho de 2015

O brilhantismo de Elis 1973


Elis 73: simples e luxo ao mesmo tempo
Entre o grande sucesso de O Bem Amado, primeira novela à cores no Brasil, escrita por Dias Gomes, o lançamento de três álbuns importantes dentro da música popular brasileira acontecia à revelia de um grande espetáculo de público e crítica: Nervos de Aço, do sambista Paulinho da Viola, em que o cantor aparece chorando na capa e Secos & Molhados, cujos os integrantes estão apenas com as cabeças em forma de guilhotina, com Ney Matogrosso como líder maior do grupo. O Brasil estava sob a ditadura austera de Médice e tudo o que era falado e/ou cantado passava por uma rigorosa tortura física e mental. Por outro lado, a Jovem Guarda já não fazia sucesso e o estilo de roupa e os cabelos tanto de homens quanto o de mulheres, faziam enorme sucesso entre as classes sociais mais abrangentes e que recaía sobre o proletariado da vez (os grandes consumidores de toda uma geração). A efervescência musical vinha por conta de grandes acontecimentos no país e mesmo sob forte domínio político, o mundo da música ganhava peso e força à medida em que os meses se passavam. Raul Seixas, Tom Jobim e Milton Nascimento lançaram músicas (e não discos) sensacionais e conseguiram ganhar a credibilidade de líderes do partido e até mesmo de políticos que se renderam às suas músicas. Mas o grande lançamento ficou por conta de uma cantora baixinha, ranzinza, cabelos masculinizados para uma época em que a feminilidade tomava conta: Elis Regina e seu verdadeiro disco de categoria. Elis 1973 (19,99 / Philips / 1973) vai do simples ao luxo com uma assombrosa tempestade lírica de uma das maiores cantoras do país. Partindo de uma naturalidade mórbida, Elis soube ousar em todas as faixas, recriando sua própria voz, se redescobrindo a cada canção, não poupando mágicas em suas cordas vocais e se superando em um país até então dominado por cantores. Simples ao seu jeito e luxuoso por completo, Elis 1973 é um dos melhores (senão o melhor!) disco de carreira da cantora. Com composições de Gilberto Gil, João Bosco e Pedro Caetano, a cantora pôde interpretar com maestria cada faixa, degustando o seu próprio domínio de estúdio e se mostrando versátil para a música num todo, não escondendo a enorme satisfação em fazer aquele trabalho. Elis não saberia naquele momento e talvez nunca soube em vida, mas seu disco era totalmente diferente daquilo que vinha fazendo até então: sem ter uma música sequer de Milton Nascimento, Tom Jobim, Chico Buarque ou Ivan Lins, a cantora optou por reunir um seleto time de compositores para dar corpo e alma ao seu disco daquele emblemático ano. Justamente os cantores e compositores que a ditadura tanto odiava e que eram perseguidos. Resultado: Elis 1973 se tornou referência e Elis conseguiu sair da aba do impulso musical que a dominava até então. Vale lembrar que um ano antes, 1972, Elis também veio com um disco sensacional, mas dominado de clichês e falta de senso comum: o disco, mesmo sendo bom, também conseguiu ganhar notoriedade por ser exemplar e moderninho para a época. Mas é em 1973 que o grande ano de Elis acontecia: sem ser demagoga, lançou um disco em que não era política nem assombrava as pessoas (exceto pela música Agnus Sei (João Bosco / Aldir Blanc), em que criticava a Igreja; pelo contrário, fazia com que o público se aproximasse dela com mais simpatia e menos arrogância e talvez isso explique o enorme sucesso de seu disco e show Falso Brilhante, em 1976, com composição do também João Bosco. Além de ser um dos discos indispensáveis em sua discografia (tanto para Elis quanto para o público), o disco trouxe particularidades que fizeram com que o mundo da música em seus bastidores entrasse em devaneio. A começar pela música Ladeira da Preguiça, que Elis pedira a Gilberto Gil por telefone e, enquanto conversavam, o compositor baiano escrevia a letra sem ser incomodado por uma Elis estridente do outro lado da linha. Recentemente, em seu disco Gilbertos Sambas (2014), Gil disse que era impossível não se lembrar de Elis e de sua história quando canta essa música. Em segundo lugar, teve a pequena rusga entre Elis e Beth Carvalho: a sambista recusou a música Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, pois seu disco já estava completo (fechado para ser reproduzido). Então, Nelson ligou para Elis e a cantou via telefone e a cantora gaúcha se derreteu e aceitou gravá-la. O enorme sucesso da canção fez com que Beth se sentisse traída, pois o grande trabalho de Elis 1973 seria É Com Esse que eu Vou, um samba-canção de Pedro Caetano, que ganhou dimensão rapidamente. Alguns anos depois, Elis dissera em entrevistas sobre esse episódio e Beth Carvalho (que tivera crises existenciais pelo sucesso de Clara Nunes) praticamente não fala no assunto. Seja como for, Elis 1973 é um dos melhores discos de Elis e não pode ficar de fora de qualquer lista que aborde os melhores discos nacionais de todos os tempos. Elis se mostrou como uma das melhores cantoras daquele ano (em 1974 veio com o excelente Tom & Elis, referência até hoje) e sua música, sua voz, seu carisma e sua popularidade eram gritantes mesmo em um período obscuro da nossa própria história.

 

Elis 1973 (1973) / Elis Regina
Nota 10
Marcelo Teixeira

Nenhum comentário: