Ousado, abusado, diversificado, contemporâneo. Estes quatro adjetivos são capaz de definir o estilo único e arrojado de um dos cantores e compositores mais criativos da atual MPB. O pernambucano Lenine prova, mais uma vez, que é possível nos fazer viajar através de sua música. Em mais de vinte anos de carreira, Lenine acaba de lançar o álbum Chão (2011, Universal Music, 25,00), onde experimenta de todos os tipos de sons e ousadia para cada faixa.
Essa experimentação se faz presente na vida do cantor há muito tempo. Em Falange Canibal (2002, BMG, 19,99), boa parte das canções tem sons variados e em Na Pressão (1999, BMG, 19,99) o que chama a atenção é a capa, muito bem elaborada com um carro pegando fogo em plena avenida arborizada, o que já significa um ar sonoro.
Mas é em Chão que Lenine utiliza e abusa de seus sons captados ao longo de várias caminhadas. Volume de gás, som de pássaros, passos, palmas, serra elétrica e chaleira são um dos sons encontrados neste maravilhoso e inquieto álbum. Lenine engatilha para a direção certeira e nos brinda com um disco recheado de adversidades e canta com o coração, com a alma pernambucana e com entusiasmo encontrado também em outros discos. Mas em Chão, Lenine se mostra mais presente.
Inquieto, intrigante, emocional e sensível ao extremo, Chão nos dá a sensação de que Lenine precisa falar algo. Na faixa que leva o título do álbum, Lenine mostra com requinte que é capaz de fragmentar sobre uma parte esquecida por todos nós: o chão, o solo em que pisamos, o chão aonde podemos conhecer o mundo.
Romântico, o disco segue com Se não for amor, eu cegue, uma levada rítmica rápida e leve e surpreendentemente bela. A música de trabalho é a terceira do disco, Amor é pra quem ama e essa canção é para ser ouvida ao pé do ouvido, com os olhos fechados e esperando a farpa cortante da próxima canção, Seres Estranhos, uma resposta ríspida às pessoas apáticas e estranhas que habitam a Terra. Esta musica é a mais política de todo o disco e mesmo que Lenine não queira aceitar, é a musica mais emblemática e complexa, simplesmente por dizer a cada frase um enigma causado por um ser humano.
A participação com o amigo de longa data Carlos Rennó fez com que a dupla criasse Envergo mas não quebro, um excelente repente para as pessoas sofridas e fracas, mas que ao final se mostram acima de qualquer malefício. E encerra com Isso é só o começo, uma das músicas mais impressionantes de todo o disco, justamente porque a faixa título da canção fixa na nossa memória a todo instante.
Impossível não parar de ouvir o novo disco de Lenine, ousado e criativo. O disco tem apenas dez canções e, quando se chega ao final, a sensação é de que passou muito rápido tudo aquilo. Uma injeção de animo, uma gota d’agua, um equilíbrio saudável, uma temperatura aquecida a cada faixa, Lenine nos surpreende pela magia de compor, pela amplitude de cantar e pelos sons de terra, de solo batido, de pássaros alegres, de motosserra, da cozinha com sua chaleira e das tardes de sábado que passávamos na sacada. Um disco sensacional, atemporal ao trabalho de Lenine, diferente aos seus estilos e muito comparado ao Falange Canibal no segmento de palavras.
E esse disco não poderia ser o melhor do cantor: na capa, ele traz ao peito o neto, dormindo, carinhoso e quieto, ao som do estribilho do avô coruja.
Dez Estrelas.
Marcelo Teixeira.
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