Um blog a favor da Música Brasileira, com entrevistas, artigos, críticas, lançamentos e muito mais. Artigos escritos por Marcelo Teixeira. www.maisculturabrasileira.blogspot.com.br
Marisa Monte soube aproveitar boa
parte do repertório de Verdade, Uma
Ilusão (2014 / EMI / 24,99 ) para atrair o grande público, trazer de
volta os fãs dispersos, fazer nova turma de fãs e angariar novas aventuras. Marisa
Monte não é mais aquela cantora de início de carreira que tenta ser a nova
queridinha do momento: ela tem estrada, chão e personalidade. Mas no decorrer
do tempo, a cantora perdeu fãs para outras cantoras em atividade mais recente e
isso deve-se muito ao fato da cantora demorar para lançar discos: os fãs se
dispersaram e Marisa Monte deixou de produzir discos maravilhosos como as do
início de sua carreira brilhante. É evidente que O
Que Você Quer Saber de Verdade (2011) e Infinito
Particular (2006) foram discos lançados com pompa de grande estrela,
mas sem o quilates de público e crítica, diferentemente de Universo
ao Meu Redor (2006), que foi
recebido com críticas positivas e com muita aceitação no mercado fonográfico. Aqui
Marisa Monte se reinventa da melhor maneira possível: o jeito de ser Marisa
Monte. Assim como fizera com Barulhinho Bom
(1996), a cantora trouxe para este novo lançamento canções que já
cantou em outros álbuns, sem grandes pretensões e sem grandes alardes. Com
interpretação magistral, a cantora não dispensa seu timbre com o fraco
repertório do disco anterior e realça obras-primas solúveis de outros tempos.Mas o que Marisa fez foi extraordinário:
pincelou aqui e ali músicas de seu repertório em discos que cairam no
esquecimento do grande público e as cantou de modo absoluto, nunca antes
regravados por ela ou por outro cantor, exceto E.C.T, imortalizado na voz de Cássia Eller. Da cantora californiana
radicada no México Julieta Venegas vem Ilusão,
uma doce canção de amor que teve versão da própria Marisa com o ex-titã Arnaldo
Antunes. Entre uma canção e outra de O Que Você quer
Saber de Verdade, surgem as pérolas como Diariamente, do CD Mais (1991),
De Mais Ninguém, do CD Cor de Rosa e Carvão (1994), eleito até
hoje um dos melhores da cantora, Arrepio,
do CD duplo Barulhinho Bom (1996) e as
populares Gentileza e Não Vá Embora, do CD Memórias,Crônicas e Declarações de Amor (2000). Ainda tem uma
regravação em italiano de Sono Come tu mi
vuoi e depois disso nada mais é legal de ouvir. O disco é morno e não chega
a ser considerado um novo Barulhinho Bom,
que tem formato mais animado e menos popular. Mesmo sendo um disco completamente tíbio, a
cantora já lidera com mais um feito: Verdade, Uma
Ilusão já é disco de Ouro, coisa normal na carreira magistral de
Marisa Monte. Talvez o único defeito seja escolher um repertório tão fraco e
menos visceral para tentar prender a platéia. Poderia ousar mais, colocando
músicas mais animadas, dançantes ou então fazendo roupagens novas porque até a
respiração de Diariamente é igual a
gravada originalmente em 1991, com as mesmas entradas e saliências. Assim como De Mais Ninguém, que mais se parece com
uma canção de Paulinho da Viola, mas é uma grande música da cantora com Arnaldo
Antunes que fala das dores do amor abandonado, tem a mesma melodia da anterior.
Se Marisa Monte ousasse ainda mais no capricho de suas canções, na certa este
seria o disco do ano. Mas por enquanto, a verdade aqui é apenas uma ilusão.
Luiz Marques nasceu em Patos de
Minas, em Minas Gerais e é desde lugar mais barroco do Brasil que o cantor e
compositor concede uma entrevista para o Mais Cultura Brasileira. Cantor dos
mais experientes do mercado fonográfico atual, Luiz Marques carrega na bagagem
quatro discos importantes para a MPB: O Giro da Roda
de Fogo (2000), Sentimento em Cor (2005), o que leva seu próprio
nome, Luiz Marques, lançado em
2009 e o mais recente, Mira Certa,
lançado em 2012. Poeta nato, o cantor revela detalhes de sua carreira, visceral
e única e nos ensina que viver musicalmente é um dos dons mais divinos que
existe. Luiz Marques é um dos melhores cantores e
compositores de seu tempo e este talento já é comprovado por sua carreira
composta de muita música, brasilidade e carisma. Em suas palavras, teria
qualquer profissão pensando na música e gostaria de ouvir uma música sua na voz
de seu maior cantor, Milton Nascimento. Com vocês, Luiz Marques!
Marcelo Teixeira: Quem é o Luiz Marques?
Luiz Marques:
Uma pessoa em busca de seu significado maior e melhor e que assim segue
pretendendo ser útil ao universo através de seu ofício.
M.T. O
que pensa ou em quem pensa enquanto compõe suas músicas?
L.M.
Isso depende muito do momento, pois toda inspiração surge de maneira espontânea,
de algo que ocorre no dia a dia ou nas observações mais amplas de fatos que
atingem a nossa percepção e de alguma forma nos toca e move os sentimentos.
Para se ver livre da angústia ou alegria criada, surge a urgente necessidade de
entender melhor e exteriorizar esta emoção em forma de poesia e música.
M.T.
Se você não fosse músico, seria...?
L.M.
Carpinteiro , pintor ou médico. Todas as funções seriam exercidas pensando em
ser músico.
M.T.
Qual a maior voz do Brasil?
L.M.
Milton Nascimento.
M.T. O
lirismo poético assim como as críticas contra o sistema opressor caminham
juntas em seus discos. Prefere compor sobre a poesia ou sobre as mazelas que
assolam nosso país?
L.M.
Os dois temas são instigantes e dão margem a um enorme material investigativo.
Minha opção é sempre, a princípio, inconsciente, pois o que interiormente está
incomodando mais e precisa sair é a escolha visceral que vai emergir na forma
de uma canção.
M.T.Mira Certa ganhou projeção maior em sua
carreira, demonstrando o quão valioso é o seu trabalho como artista. Pensa em
fazer shows pelo Sudeste?
L.M.
Estou realizando uma segunda turnê de divulgação do DVD Mira
Certa e cidades do sudeste como São Paulo , Ouro Preto e Belo
Horizonte estão no roteiro.
M.T.
No disco Luiz Marques lançado em
2009, você homenageia Minas Gerais na música Ser Tão Cidade. De Minas saíram alguns dos melhores músicos
brasileiros e você se inclui nesta lista. Minas é o seu porto seguro musical?
L.M.
Sim com toda certeza! Tanto o interior, o vasto sertão, a geografia única com
suas surpreendentes montanhas, como também a capital Belo Horizonte, onde
resido já por vários anos,são fontes inesgotáveis de inspiração. E
principalmente bebo do mistério que vive oculto na voz e no silêncio deste
povo, na força do barroco que pulsa nas veias das pessoas e nas ruelas das
cidades históricas, enfim nas Minas Gerais, estes profundos poços onde nós
mineiros vamos buscar o ouro de nossa existência!
M.T.
Cantor, compositor, arranjador e violonista. O que mais falta fazer em sua
carreira?
L.M.
Fazer chegar minha música a todos que possam e tenham interesse em ouvi-la.
Penso que o exercício deste ofício, que não é muito bem compreendido pela
sociedade em geral, requer de todos nós que somos persistentes e meio malucos
sonhadores (como Dom Quixotes musicais) muita energia e abdicação para
continuar, pois os obstáculos são muitos e já conhecidos, então os sonhos e a
dedicação têm que ser altaneiros e bem maiores, para viabilizarmos a
continuidade da carreira.
M.T.
Gostaria de dividir os vocais com qual cantor ou cantora?
L.M.
Com o Milton Nascimento, mas não dividir e sim ouvi-lo cantando uma composição
minha. Por que? Por sua história musical e maravilhosa voz.
M.T.
Você já escreveu músicas para festivais e peças de teatro. Pensa em retomar
esse hábito?
L.M.
São segmentos dos quais me afastei bastante, mas não descarto estas
possibilidades, pois um convite neste sentido pode ser um catalisador de buscas
imaginativas para retratar novas emoções.
M.T. A
religiosidade é muito forte dentro de você, tanto que compôs em homenagem à
Santa Terezinha. Essa fé faz com que a sua música soe como regional. Tem medo
de rótulos ou não gosta de ser rotulado?
L.M.
Não tenho restrições quanto a ser ou não rotulado. Penso que quando o artista
se expõe está oferecendo a possibilidade de variada interpretação de sua obra,
principalmente os autorais como é o meu caso.
M.T.
De todas as suas músicas, qual você acha a melhor?
L.M.
Aí você me pegou! È como escolher de qual filho você gosta mais rss. Muitas
canções minhas me deram alegrias especiais, mas prefiro manter todas no mesmo
patamar, para não haver ciúmes entre elas.
M.T.
Recentemente, escrevi um artigo no qual dizia que você era um cantor a altura
do Brasil. Se sente injustiçado às vezes por sua música não poder chegar mais
longe?
L.M.
Não, pois conhecendo o atual cenário da indústria fonográfica e suas mazelas,
penso que a injustiça é feita ao povo brasileiro que, na maioria das vezes, é
refém de uma péssima inclinação da mídia que impõe uma música rasa, comercial e
sem sentido em seus amplos canais de alcance como tv´s e rádios. Uma lástima,
pois estes veículos são( na maioria das vezes) concessões estatais e deveriam
formar, informar e ampliar os horizontes culturais de toda uma nação, mas o que
vemos é bem o contrário. Eu e tantos companheiros de estrada que por opção
fizemos a escolha de realizar um trabalho mais profundo, de melhor qualidade
musical e poética estamos na luta pela possibilidade de mostrar com mais
evidência o resultado de nossos esforços. O que nos move é saber que quando
esta opção é dada aos ouvintes a receptividade é excelente, então acho que estamos
no caminho certo!
M.T.
Música é arte e você o faz brilhantemente. Por que resolveu ser musico, Luiz?
L.M.
Acho que todo artista, principalmente os músicos, têm um parafuso a menos ou a
mais no cérebro! Pense bem, a música é algo intangível, não paupável e que você
não pode ver! Toda vez que você toca uma canção ela sai de uma maneira
diferente, não é como um quadro, livro ou escultura que tem um toque final
definitivo. É das artes a mais instantânea e incerta! Toda vez que você está em
ação, no palco, tudo pode acontecer desde uma belíssima interpretação e um
excelente show ou então uma tragédia, como quando você está rouco, sem voz ou
acontece um piripaque no sistema de som e ninguém ouve mais nada. Ainda bem que
temos os CD´s e DVD´s que registram as nossas performances, mas é no dia a dia
que realmente exercemos nossa arte. Então até hoje eu me faço esta pergunta:
por que resolvi ser músico?
M.T.
Fazer música é..
L.M.
... padecer no paraíso, vivendo intensamente o que a vida tem de melhor!
Agradeço, de coração, seu convite e parabéns por continuar assim, enfatizando e
divulgando a nossa música brasileira! Grande abraço Marcelo Teixeira!
Luiz, muito
obrigado pela entrevista. Um super e enorme abraço. Marcelo. *foto de Renata Samarco.
Sinto pena da Claudia Leite, agora
denominada Claudia Milk, talvez para ficar internacionalmente conhecida. Senti
vergonha alheia de ver Claudia Leite, Milk ou o que seja, dançando, pulando,
erguendo os braços num grito de gol. Foi uma fatalidade total ver a falsa
baiana vestida de azul cravada de diamantes, enquanto a nossa bandeira é verde
e amarela. Graças a um erro da Fifa, a cantora foi selecionada para abrir a
Copa do Mundo aqui no Brasil e fazer de sua imagem uma seda rasgada, deteriorada
e senil. Claudia Leite, ops, Milk, estava apagada, mal iluminada e com uma
roupa cafona que custou metade daquele estádio. Sem estilo, a cantora não teve
sintonia com as músicas, com o estádio, com a cantora Jennifer Lopez, com os
torcedores: sua maquilagem estava carregada e seus olhos estavam mortos. Mas há
vários motivos do porque Claudia não poderia ser eleita a cantora para a
abertura da Copa: ela não tem estilo, não tem carisma, nem empatia, muito menos
simpatia. Seu semblante é de uma pessoa depressiva, de poucos amigos. Falsa
baiana que é, a cantora carioca até canta, tenta demonstrar carisma, mas não
passa de uma ilusão à toa. Centrada em cantar pérolas brasileiras, a cantora
demonstrou que precisa estudar o repertório que não conhece ou não teve tempo
de conhecer e que precisa ser mais brasileira para ocupar o espaço de uma
verdadeira estrela. Mesmo assim, Claudia subiu e cantou, mesmo que para risos
esfuziantes da platéia ou do telespectador do mundo inteiro. Com tantos nomes
muito mais relevantes e intelectualizados no país, por que a Fifa chamou logo
Claudia Leite, uma cantora que não tem aquele charme e nem aquela pureza de
cantora baiana? Ivete Sangalo e Daniela Mercury estavam livres para aceitar o
convite, assim como Maria Rita, Gal Costa ou Zizi Possi. Chico Buarque, Caetano
Veloso, Milton Nascimento e Gilberto Gil estavam totalmente desocupados para
ocupar o lugar daquele cantor que só agitava os braços. E por que chamar uma
cantora do porte de Jennifer Lopez, se temos muito mais capacidade de ter ali
uma cantora nossa? Se a Fifa não tem respostas, eu tenho: a Fifa não é
brasileira e isso todos nós sabemos. Escolheu cantores, artistas, figurinistas,
pessoas e crianças estrangeiras e demonstrou, a torto e a direito, que não
conhecem o nosso país. No final de tudo, acho que a razão até esteja com Claudia,
quando canta no trecho em português de We
Are One: Não importa o resultado,
vamos extravasar! Rainha do pior axé music de todos os tempos, a única
coisa que resta aos brasileiros e a própria cantora é extravar e rezar para que
o Brasil ganhe a Copa. Não importa para os amantes da MPB, o resultado final: o
importante aqui é que a música produzida por Claudia Leite é da pior qualidade,
mesmo ela ganhando dinheiro e muito dinheiro. Perante o vexame de ver Claudia
Leite cantando no centro do mundo, tive a certeza de que estamos falidos
musicalmente, ao menos naquele momento em que ela se requebrava. Pensei na luta
de cantores que tentam um espaço para sobreviver e pensei na paz do mundo se
não tivessemos uma Claudia Leite.
Há uma certa emoção e um pouco de
alívio ao ouvir o cantor de rap Gog, estrela entre as estrelas do mundo das
rimas perfeitas, quando ele canta a música Brasil
com P, canção que é totalmente cantada pela palavra P no seu início. Gog é
um cantor da periferia, das massas pobres que pensam, dos proletáriados que
acordam cedo para ganhar o pão de cada dia, das mulheres fortes, dos homens
comuns. No Brasil sempre houve cantores políticos: Chico Buarque, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Criolo, Seu Jorge, mas o mais político foi Gonzaguinha e
vendo Gog cantar o que canta hoje, sinto que a música popular brasileira, sem
rotulagem, se transforma em um Gonzaguinha dos gritos esbaforidos, do beijo na
bandeira amarrada num saco plástico, no homem de olhar atento e arregalado que esperaa mulher passar para passar em seguida. Gog é
um nome forte contra o governo nacional, contra as mazelas e cóleras que
assombram Brasília, que luta a favor dos pobres e discrimina a elite denominada
de grandeza secular que insiste em comandar o país. Um cantor verdadeiramente
brasileiro, desses raros que encontramos no cenário nacional, dos poucos que
dão a cara a bater e que não tem medo do que canta. Aliás, Gog canta, escreve,
contesta, irrita, anima, estimula e cresce quando sua voz emerge nos palcos
cantando justamente sobre os problemas sociais que estão aqui, ali, na esquina,
nos bares, na vida pública e privada de todos nós. Gog nasceu em Brasília e seu
nome de batismo é Genival Oliveira Gonçalves e desde os anos de 1990 tenta
trilhar um caminho destinado à música. Conseguiu com grande mérito se tornar
hoje um dos grandes nomes nacionais do rap, movimento que causa furor e
constrangimento para a chamada classe burguesa. Mas Gog é muito mais do que uma
abreviação: ele é a música em pessoa. Ao ouvirmos a música Brasil com P, temos a nítida sensação de que era disso que
precisávamos para acordar e dizer que o Brasil é uma grande frustração e ao mesmo
tempo uma grande nação. Mas há também, como contesta a canção, o homem
trabalhador que acorda cedo e busca melhorar seu dia com muito esforço,
mostrando que aqui e ali há peças fundamentais para o andamento do país.
Contradizendo a história, Brasil com P
tem dois elementos básicos representativos ontem, hoje, amanhã e sempre: o
preto, pobre e periférico contra o político privilegiadoque recebe todas as honrarias e méritos que o
preto e pobre deveria honrar. Se não fosse o bastante, Gog conseguiu transformar
Brasil com P em uma obra-prima ao
compor a música toda pela letra P, fazendo deste momento uma história comum e
real de duas esferas humanas e irracionais. A canção por si só e na voz
magistrosa, poderosa, firme e decidida de Gog já valeria por milhões e milhões
de canções politizadas existentes no mundo, mas a participação definitiva,
corajosa e rica de Maria Rita fazendo coro ao fundo, ganha um brilho a mais e
faz com que Brasil com P seja uma
música forte, certeira e um hino contra a magistração irregular do homem
poderoso e viril. Maria Rita não canta, mas empresta sua voz para ser a mulher
que chora num lamento fúnebre, arrancando arrepios e sensações adversas ao
tentar balbuciar algo que está preso em sua garganta. Após a explosão de Gog, a
música encerra e o sopro de Maria Rita se cala. Gog a abraça num acalanto. Brasil com P é isso: um peso na
consciência de quem muito deve e um sopro de alívio de quem nada teme.
Tito Marcelo é um desses cantores
que nasceram para encantar: sensível, carismático, letrista, poeta, brasileiro.
Nascido em Recife, Tito mora em Brasília e é da capital federal que surge mais
um cantor de primeira grandeza na música popular brasileira. Pra Ficar no Sol (2014 / Independente / 23,00)
é um disco interessante, irresistível, caprichado, moderno e com uma capa
incrível. Aqui está todo o universo magnífico de Tito Marcelo, que se baseou
nas estruturas do amor e na brejeirice das levadas infantis para compor boa
parte do álbum. Pra ficar no sol não
é um disco qualquer: é um disco produzido por um homem capacitado de nos fazer
crer que música de qualidade se faz com respeito e lealdade. Tito Marcelo usa
toda a sua criatividade e intuição para fazer um dos discos mais belos do ano
de 2014 e esta lista já está encabeçada por outros bambas da música nacional,
mas Tito conseguiu entrar neste seleto grupo por todo o seu conjunto: Pra ficar no sol é uma obra-prima
brasileira!Álbum surpreendente, Tito
Marcelo nos trás um dos CDs mais encantadores dos últimos anos e carrega na
bagagem estrutura suficiente para ser considerado um cantor de grande porte
atualmente. Compositor de todas as treze faixas, Tito é um cantor que propõe um
código musical muito original para a cena brasileira, sem abrir mão de sua
inquietude artística, que confere em uma ligeireza absolutamente natural. Ouvir
Tito é ter a certeza de que não vivemos em um país bucólico e sua voz é um
conjunto de vibrações positivas quanto inspiradoras. Não há dúvidas de que a
música brasileira fica mais rica com este belo disco de Tito Marcelo, até mesmo
porque ele é todo contrabalanceado entre estilos modernos e atuais sem perder a
compostura. Alinhado do começo ao fim, o disco tem a obra-prima Rua Jaguaribe como sendo uma das
melhores, mas não podemos nos basear apenas nesta faixa.
Tito Marcelo e Gabriela Doti: belas vozes
Há sincronização entre
a música de Tito e a atual situação musical do país: aqui todas as músicas
fazem um contexto geral sobre o amor, a poesia, a coesão entre o belo e a infância
perdida e entre o sonho e o amor. O cantor é rico em detalhes, como desfila na
música Quando Nada é o que me Falta,
linda canção romântica que Tito o canta com maestria, vontade, sabedoria e
inspiração. Destaque também para a primorosa Adonde El Viento Vá, que tem a participação mais que especial da
cantora e compositora Gabriela Doti, com sua voz sensual, doce, melódica e que
complementa com o carisma vocal de Marcelo: ele fazendo coro em língua nacional
e ela em língua espanhola. Essa junção de vozes entre o homem e a mulher, entre
Tito e Gabriela, entre língua nacional e língua espanhola, entre faz toda a
diferença no disco, que fecha com chave mestra, porque temos dois grandes
momentos do álbum: a revelação Tito Marcelo (mesmo com outro CD já lançado na
praça) e a poesia lasciva de Gabriela Doti, uma cantora peculiar, que fala a
língua espanhola e inglesa com fluência e conhece a cultura brasileira como um
todo e respira o mundo de Tito de perto. Respirar o disco de Tito Marcelo é ter
a certeza de que estamos respirando o melhor da música brasileira produzida
atualmente: uma música bilionária, consciente, plena, determinada. Dancem ao
som de Tito Marcelo; pulem ao som de Tito Marcelo; beijem ao som de Tito
Marcelo. Aposto que você vai se apaixonar por este disco simplesmente
maravilhoso.
Se Elis Regina estivesse viva, na
certa gravaria Malabaristas do Sinal Vermelho ou
qualquer música deste CD feito por João Bosco em parceria com o filho
Francisco. O clima relativamente calmo e suave, encadeado por baladinhas e
bossas com cores de jazz não se parece com tons monocórdicos. Malabaristas do Sinal Vermelho (2002 / Sony Music /
22,00) é um clássico já no título do álbum. A capa vermelha nos dá a
impressão certeira de que estamos diante um disco inquieto, intrigante e
irresistível. E o é! João Bosco é um importante cantor da atmosfera brasileira
e suas músicas foram cantadas por vários cantores de diversas gerações da MPB.
Elis, considerada por muitos como a maior cantora de todos os tempos da música
brasileira, foi a recordista em gravar canções do cantor e compositor e se viva
estivesse, na certa cantaria com gosto e maestria qualquer música de Malabaristas. O disco nos fixa
diretamente nos olhos e nos enquadra com um sorriso no canto da boca, como se
João estivesse ao nosso lado, observando nossa cara de espanto e alegria
conjuntas. Aqui temos um João sem disfarces nem adornos e seu estilo visceral
para contar histórias está cada vez mais ácida. O conteúdo de Malabaristas do Sinal Vermelho é um
livro aberto para quem quiser ler e suas músicas representam o que há de melhor
na esfinge musical universal. Posto em evidência, João busca em sua música o
homem delicado e sensível, moderno e jovial, adjetivos raros em tempos de
velhice artistíca. João Bosco não tem pressa e o ritmo é calmo, ultrabalanceado
com salsas e merengues, mineirices e carioquices e o resultado é simplesmente
brilhante, divino, sensacional. O mestre João deu o recado e a carapuça serviu
para quem quisesse. Há malabaristas espalhados por todos os cantos, como atesta
o disco, não apenas nos semáfaros e esquinas, mas sim dentro de nossas casas,
na casa do vizinho, no trabalho, na música. O eco de sua música nos deriva de
qualquer suspeita momentânea: João capta os melhores ruídos e nos brinda com o
melhor de sua música. Cada melodia tem um estilo monárquico de dizer algo, seja
no campo amoroso, seja no campo político. Os malabaristas de João, assim como
os escafandristas de Chico Buarque estão espalhados por todos os lados, por
todos os campos, por todos os subníveis. Inclusive do seu.
Dani Calazans é atriz, cantora, compositora,
roqueira e defende com voz e categoria boa parte do cancioneiro da música
popular brasileira ao lançar o CD Hard Bolero (2014 / Independente /
22,00), em que retrata toda a sua dramaticidade em
um cabaré alemão. Dani é uma das melhores cantoras surgidas nos últimos anos
dentro da MPB e sua voz é um afago tão tocante quanto certeira, tão imensa
quanto duradoura, tão atual quanto sensível. Dani Calazans é uma cantora
completa, reveladora, simples e determinada. Hard Bolero é
um disco que não pode ser passado em branco: você precisa ouvir! Ouvir com
atenção, com vontade, com garra, porque esses adjetivos são transpassados por
Dani Calazans em todas as faixas do álbum. Com ênfase nas mazelas do Brasil,
como na irresistível Classificados,
passando por sua feminilidade com a música Salto
Agulha, Dani dá um toque diferenciado na manjada Non, je ne regrette rien, que fecha o disco com chave de ouro.
Antenada entre as artes cênicas e a música que dança em seu corpo, a cantora se
inspira nos cabarés alemães para fazer um disco altamente brasileiro, sendo
totalmente díspare daquilo que estamos acostumados a ouvir na música nacional.
A grande sacada de Dani foi justamente essa: ser e fazer algo diferente. Hard Bolero é
um disco de primeira grandeza e traz a cantora em um momento em que a música
precisava de renovação: a voz, o estilo, a verdade de Dani Calazans surge em um
momento ideal para a salvação da música brasileira. Com uma poesia rica em
detalhes poéticos quanto observadora em idílios reveladores como a música Lagoa, a cantora passa a ser uma artista
que admiro imensa e profundamente. Dani transmite a verdade e verdade significa
música de primeira grandeza. Cada vez que ouço Dani Calazans, mais suas músicas
me tocam, me atiçam, me deixam em plena felicidade. Hard Bolero é
uma obra-prima a qual comunga a ideia de arte, musicalidade, teatralidade e
poesia.E é nesse meio todo que Dani
Calazans, uma grande cantora, se firma como uma artista brasileira.
O ano de 1996 foi de Marisa Monte. Barulhinho Bom (1996 / 29,99) causou
tanto barulho, que foi obrigado a ser lacrado para não mostrar as fotos
sensuais que o encarte trazia. Em países como os Estados Unidos, o disco teve
que ser embalado em plástico preto, enquanto que aqui no Brasil, algumas lojas
embalaram com plásticos rosas. Barulhinho Bom
é um disco gravado ao vivo, duplo e com o melhor de Marisa Monte, mesclando
músicas inéditas com o universo já particular da cantora, cantado em discos
anteriores. Este é, sem sombra de dúvidas, um grande trabalho de Marisa e a complementação
de Cor de rosa e carvão, seu disco
anterior, foi gravado no TeatroGuararapes, Recife e Carlos Gomes, no Rio de Janeiro.É muito gratificante ouvir músicas inéditas
como Panis et Circenses, De Noite na
Cama, A Menina Dança e Give me Love
na sua voz, que casam muito bem com sua voz e sua doutrina como cantora. Já nas
canções de seus repertórios antigos, o álbum conta com Segue o Seco, Bem Leve e Xote
das Meninas. Destaque para Arrepio,
Maraçá e Magamalabares, que são
sensacionais. Um disco indispensável na prateleira de qualquer pessoa que preza
e respeita a música brasileira. Disco sublime, maravilhoso, simples, brasileiro
e tem um barulhinho bom que somente Marisa Monte consegue nos transpassar. A
intimidade de Marisa para com as músicas fez com que o público e a crítica
especializada logo reconhecesse o extraordinário talento da cantora mais uma
vez. Cantando melhor que o disco anterior, Marisa surpreendeu com este disco ao
vivo cheio de magia e emoção. Mais
autêntica do que nunca, Marisa se sente leve e solta neste disco com ar de
quero mais, em um clima contemporâneo e delicado. Bom de ouvir do começo ao
fim, Barulhinho Bom reflete o
que há de melhor no cancioneiro desta grande cantora ultra-moderna.De Caetano Veloso, passando por Ed Motta e
Paulinho da Viola e encontrando mais abaixo com os Novos Baianos, Barulhinho Bom é um disco que remete à
qualidade artistica de uma das grandes intérpretes que o Brasil tem. Marisa
Monte comprova todo o seu brilho matinal em um disco altamente qualificado, sem
deixar cair na mesmicie que muitas cantoras de sua época cairam. Marisa Monte
transforma um barulhinho bom em um barulhinho encantador.
Se o homem foi feito para cantar, este homem é Alberto Salgado: sua voz é um alento e uma salvação para a
música popular brasileira, na qual impera na sua maior riqueza o núcleo formado
por bela vozes femininas. A leveza de suas músicas, poéticas na sua maioria, e
a voz firme e grave, contrapõe um alto peso na sua musicalidade: um ritmo
cadenciado de sambas, uma mistura heterogêna de notas e um emaranhado sincopado
de elementos que neutralizam nossa alma, a ponto de sairmos cantarolando e
sambando ao seu som. Impossível não resistir aos encantamentos musicais de
Alberto Salgado: ele nos arremata já na música que abre o disco Além do Quintal(22,00
/ 2014),Pra Você Sambar.
Alberto é um sopro natural de calmaria em meio à fúria de sons tão distantes
que assolam nossos ouvidos e que tem identidade própria ao desencandear um
filandeiro de obras-primas deste álbum encantador. Trezes faixas embalam Além do Quintal, sendo todas de sua
autoria ou em conluio com outros parceiros. Mas sua assinatura é pessoal e
intransferível e essa mágica é que faz toda a diferença no disco. Alberto
experimenta tons sambísticos neste disco, o que o deixa muito bem à vontade
para cantar e compor melodias saborosas, com uma leveza pop sobre canções de
amor.A maneira de expressar emoções de
forma delicada e poética surge em praticamente todas as canções e demonstra
toda a sensibilidade rara do cantor ao abordar músicas como Planta Collhe 4 ou na encantadora Marinheiro. Há um peso de
responsabilidade aqui, porque Alberto Salgado não é qualquer cantor. Com voz
delicada, mas puramente intensa, valendo-se de um timbre de beleza aguda, ele
canta com apurada gentileza e sabedoria. Sua afinação vai às
Alberto: sopro novo na MPB atual
notas como a seta
ao alvo. Ouvi-lo é como um elogio à compotência caracterizada dos cantores
brasileiros no exercício de seu ofício. Dois grandes momentos de seu disco
estão em Pele do Mar, onde há uma
conjuntura de frases ritmadas e jogo de palavras cruzadas e Sambaião, por onde os versos cantados
diversificam que tudo o que é cantado vira samba. Alberto Salgado é um
consagrado cantor, que consegue energizar toda a plateia que o prestigia nos
seus aplaudidos shows realizados em Brasília, na capital federal. A palavra
cantada, na sua vez, é uma arma direta e certeira para aproximar as pessoas e
transmitir seus glorificados pensamentos em prol do bem comum. Sendo assim, a
música popular brasileira se rende ao cantor que nos fascina com um disco a
altura de seu talento e que consegue nos dobrar de joelhos pedindo bis para que
o show não termine. Alberto Salgado é um cantor legitimamente brasileiro,
desses raros de ser encontrado e que precisamos ouvir, ouvir e ouvir para
termos a certeza de que ele é nosso. Compositor, cantor, artista determinado no
cenário nacional, Alberto canta com emoção e carinho e faz de seu quintal um
convite ao seu samba de primeira grandeza.