Chico e o primeiro LP: 1966 - 2016 |
Bastaram as canções que já havia
composto durante a primeira metade dos anos de 1960 para que Chico Buarque
recheasse Chico Buarque de Hollanda (1966 / RGE
/ 26,99), seu primeiro disco, lançado em dezembro de 1966. Fora
isso, ainda sobraram duas músicas para o álbum seguinte. Essas composições
iniciais vêm carregadas de um lirismo nostálgico e de uma riqueza poética que,
logo de cara, caíram nas graças do público e de boa parte da crítica. A faixa A Banda, que pouco antes vencera o II
Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, tornou-se um hit
instântaneo, uma mania nacional cantada em cada canto do Brasil por gente de
todas as idades. O disco de fato é fundamental em qualquer antologia da moderna
MPB e suas músicas, dotadas de recursos poéticos inovadores para a época e de
extrema originalidade melódica, colocam o samba urbano num novo e elevadíssimo
patamar de qualidade. Chico Buarque tinha apenas 20 anos e uma timidez ainda
não muito bem equacionada, um rosto juvenil, iluminado por olhos de um verde
transparente. Ainda não tivera a chance de conhecer a mulher de sua vida (este
artigo será postado em 2017), mas ele sabia de sua importância dentro dos
festivais que assolavam o país de canto a canto. A Banda, interpretada por ele e Nara Leão, conquistou o primeiro
lugar em Outubro de 1966, dividindo o lugar com Disparada, de autoria de Theo de Barros e Geraldo Vandré,
magnificamente defendida e interpretada por Jair Rodrigues, que logo mais seria
parceiro e amigo de Elis Regina no programa O Fino da Bossa. A Banda rendeu a Chico Buarque o status
de cantor do ano, o intelectual do momento e vários artistas voltaram suas
atenções para aquele rapazinho timido. Carlos Drummond de Andrade, o poeta mais
respeitado de todos os tempos, soltou a pérola frase que venha outra banda. Nada mal para um novato nos palcos. A Banda
rendeu ainda a Chico seu primeiro programa na TV brasileira, chamado Pra Ver a
Banda Passar, em dupla com Nara Leão. A timidez de ambos era tanta que Manoel
Carlos lhes sapecou o título de os maiores desanimadores de auditório da
televisão brasileira. O disco lançado em
1966 vendeu pouco mais de 100 mil cópias, um feito e tanto para a época e a
causa desse sucesso estrondoso de fato fora a intepretação de dois cantores que
tinham a sintonia em primeiro plano. A Banda é um divisor de águas na vida e na
carreira de Chico Buarque e dali em diante nenhum dos dois, Chico e Nara,
jamais seriam os mesmos. O mesmo se aplica para a MPB e, de certa forma, para o
próprio Brasil.
Chico Buarque de Hollanda 1, como ficaria conhecido o disco,
foi produzido apenas com o estoque de boas canções que Chico já havia composto.
Praticamente todas as suas faixas têm em comum um lirismo nostálgico e
comovente. Muito mais que isso, o disco eleva a tradição do samba urbano a um
novo patamar poético. As letras, além de originais, têm uma arquitetura musical
primorosa. O compositor, de certo modo, resgata a tradição dos melhores letristas
cariocas, como Noel Rosa e Wilson Btista e tempera-a com ingredientes da Bossa
Nova. Chico venerava esse movimento e seus expoentes – em especial João
Gilberto, com que sua irmã, Miúcha, se casou um ano antes. Mas logo se esquivou
da bossa nova e desenvolveu o seu próprio estilo. O samba, aqui neste disco,
não só é um ritmo: é um tema recorrente que pode ser avordado por uma ótica
melancólica, como em Sonho de Um Carnaval,
que o cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré interpretou para Chico no I
Festival da Record. O efusivo Meu Refrão
e o socialmente engajado Tem Mais Samba
são obras-primas relicárias e Chico considera esta última, composta em 1964, o
marco-zero de sua carreira. A tocante Olé
Olá, outra joia do disco, é um samba-canção carregado de saudosismo e
desconforto, dotado de uma harmonia sofisticadíssima. Fora nesse tempo que
Caetano Veloso conhecera Chico Buarque em 1965, enquanto o carioca cantava
trechos de Olé Olá (cantado mais
tarde por Maria Bethânia) no teatro e disse à época que tinha conhecido um cara que era a coisa mais linda.
Em
Chico Buarque de Hollanda 1 a leveza e a
alegria ficam por conta de três composições, curiosamente todas batizadas com
nomes próprios: Juca, A Rita e Madalena Foi pro Mar. A primeira, quase um samba de breque, foi
composta após a polícia ter sido chamada ao bar em que Chico e seus amigos se
entregavam à cantoria sem muita atenção aos decibéis. Essas noitadas musicais
em São Paulo foram sistematicamente batizadas de sambafos. A Rita é um bem humurado samba-canção que exalta a capacidade das
mulheres de devastar corações masculinos. Madalena
Foi pro Mar é outro lamento quase debochado de um homem deixado na mão por
sua amada. De todas essas, A Rita
ganhou diversas regravações, sendo a mais importante defendida por Gal Costa.
Nenhuma
dessas canções, no entanto, sequer se aproxima do alvoroço e sucesso
desencandeados por A Banda: com sua
irresistível doçra, ela cativou o público, conquistou a crítica e transformou
em fãs de Chico mesmo os espíritos mais avessos a sua figura. Um desses espíritos era o genioso escritor,
dramaturgo e cronista esportivo carioca Nelson Rodrigues, cujos comentários e
tiradas mordazes eram temidos tanto por craques dos gramados quanto dos palcos.
Mas Nelson gostou tanto de Chico e, em especial da música, que disse em artigo
que A Banda era uma marchinha genial.
E
lá se completa 50 anos do lançamento do antológico disco Chico
Buarque de Hollanda 1, disco que praticamente nasceu pronto, sem
redomas e com certa timidez, carregado na sobriedade de um Chico Buarque
novinho em folha e acompanhado de uma grande cantora que o inspirara a vencer o
primeiro grande desafio: Nara Leão.
Chico
Buarque de Hollanda Volume 1 – 50 anos depois
Por
Marcelo Teixeira
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