Um blog a favor da Música Brasileira, com entrevistas, artigos, críticas, lançamentos e muito mais. Artigos escritos por Marcelo Teixeira. www.maisculturabrasileira.blogspot.com.br
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domingo, 30 de outubro de 2016
sábado, 22 de outubro de 2016
Cala a boca, João!
Voz e Violão: excelente |
Há quem o odeie e há os que o ama!
Há também aqueles que ficam neutros quando o assunto é João
Gilberto, um ícone da Bossa Nova e um dos pais do movimento que inspirou
as pessoas a cantarem em ritmo mais lento e tendo como companheiros um
banquinho e um violão. Não é fácil ser João, um gênio da música popular
brasileira que hoje vive mais recluso do que nunca em seu apartamento, nos
Estados Unidos. Obviamente que Cala a
Boca, João (título deste artigo) foi uma referência à música de Dorival
Caymmi, Cala a Boca, Menino (1973),
pois João é um típico cantor que odeia berros, sobressaltos, devaneios e
qualquer coisa que o deixa atormentado. Com o surgimento de Chega de Saudade a reviravolta na música brasileira se fez presente
e a revolução musical foi uma constante. A influência notória de João Gilberto
foi fundamental para todo esse universo novo e para a posteridade, pois fora
através dele que surgiram Chico Buarque, Caetano, Gil, Nara Leão, João Bosco e
os mais atuais, como Fernanda Takai, Ná Ozzetti e outros. Para todos os
efeitos, Voz e Violão (2000 / 27,90)
é um disco que merece atenção por ser um disco não apenas de coletâneas, mas
por ser um álbum em que contempla a importância de um grande catalisador da
música ainda vivo. O que não dá para entender é como as gerações após 1960 não
conseguem compreender ou encaixar João Gilberto dentro de um contexto musical
ou intelectual e nem ao menos dão o seu devido valor, mesmo os grandes críticos
de música saberem disso. Esse descontentamento para com ele entristece aqueles que
gostam de sua música e fazem com que a geração que nasceu com Voz e Violão o desconhece. Vale a pena
ouvir suas músicas, ler livros que falem sobre o cantor e estarem por dentro de
sua musicalidade irretocavelmente perfeita!
Voz
e Violão (2000) / João Gilberto
Nota
10
Marcelo
Teixeira
domingo, 16 de outubro de 2016
Cartola - O Musical: emoção à flor da pele
Cartola e Zica: muito samba |
Chega a ser difícil segurar a emoção
e conter as lágrimas quando vemos Cartola (1908 – 1980)
e Dona Zica (1903 – 2003) bem de frente para
nós, com suas roupas de outrora, seus passos envelhecidos, seus trejeitos
amadurecidos e suas histórias de vida sendo muito bem representados pelos
atores e cantores Flávio Bauraqui (perfeito,
impecável, espetacular) e Virgínia Rosa (linda,
esplêndida, maravilhosa). É impressionante a dramatização que o musical Cartola – O Mundo é
um Moinho¹
transpassa para o público que lotou o Teatro Sérgio Cardoso neste sábado, 15 de
outubro: com uma sincronização perfeita, elenco afiado e texto primoroso, todos
ali presentes estavam ansiosos pela próxima cena, que era muito bem narrada
pelo ator, cantor e escritor Hugo Germano (um banho de interpretação). O
público estava fervilhando de emoção com cada música cantada, com cada
movimento no palco, mas o momento mais esperado era o encontro entre Cartola e
Dona Zica. E isso acontece, óbvio, mas para chegar nesse período sublime (e
real) é preciso contar toda a trajetória do cantor e compositor carioca, que
preferia o morro do que a comodidade de um lar digno de reis e marajás. O
musical não deixa a desejar em nenhuma ocasião e a plateia fica tão extasiada,
que as palmas eclodem o lotado teatro a todo instante. Que perfeito casal de
atores! Flávio e Virgínia estão em um momento espetacular, tendo em vista que
há tantos musicais importantes na cidade que já foram produzidos e que estão em
fase de produção. Com idealização do
ator e produtor Jô Santana, dramaturgia de Artur Xexéo, direção e encenação de
Roberto Lage, pesquisa detalhada da neta do homenageado, Nilcemar Nogueira (que
também é diretora do Museu do Samba no Rio de Janeiro) e direção musical de
Rildo Hora, Cartola
- O Mundo é um Moinho conta a trajetória de um dos maiores nomes do
samba, cujo fora o fundador de uma das escolas mais antigas e com toda a
certeza a mais popular: Estação Primeira de Mangueira. Vá agora assistir ao
musical, porque é uma obra-prima! Mas leve um lencinho, porque você vai se
emocionar do começo ao fim. Chegando ao final do espetáculo é preciso parar
para uma reflexão: na última cena, em que Cartola e Dona Zica fincam seus nomes
no samba e com uma alegria insana, é possível dizer que eles estavam de fato
presentes ali no teatro. Vírginia cresce virginosamente no final do primeiro
ato para o início do segundo e consegue colocar nos eixos a vida de Cartola e a
sua música perene. É inconcebível
reconhecer os atores como eles mesmos, pois a caracterização de todos é tão
impactante, que chega a beirar a perfeição com tantos detalhes importantes. Vale
destacar também a bela apresentação de Adriana Lessa
(sem palavras, grande atriz, excepcional artista), Edu Silva e seu magistral Carlos Cachaça, Silvetty
Montilla (divina em um papel feito exclusivamente para ela), que nos
deram momentos de risos deslubrantes. Destaque para Augusto
Pompêo, que interpretou o pai de Cartola, nos dando um banho de
intepretação, André Muato que ironizou Nelson
Cavaquinho, Paulo Américo com seu
vozeirão magnífico dando voz também ao Zé Ketti,
Lu Fogaça e sua Nara
Leão bem tímida e perfeitinha e Gabriel Vicente,
que conseguiu captar detalhes homéricos de Francisco
Alves. Palmas esfuziantes para os astros da noite: Flávio Bauraqui e
Virgínia Rosa e seus talentos extraordinários! Viva Cartola!
¹A
peça fica em cartaz até o dia 31/10/2016
Elenco:
Flávio Bauraqui, Vírginia Rosa, Adriana Lessa, Hugo Germano, Augusto Pompêo,
Ivan de Almeida, Silvetty Montilla, Edu Silva, Renata Vilela, Larissa Noel, Lu
Fogaça, Andrea Cavalheiro, Grazzi Brasil, Flávia Saolli, Paulo Américo, Gabriel
Vicente, Rodrigo Fernando e André Muato.
Serviços:
Teatro Sérgio Cardoso (Rua Rui Barbosa, 153 – Bela Vista
Temporada: de 11 de setembro a 31 de outubro
Horário: As sextas, 20h; sábados às 21h, domingos às 18h e segundas, às 20h.
Classificação etária: 12 anos
Duração: Duas horas e meia
Ingressos: De R$ 30,00 a R$ 120,00
Vendas: ingressorapido.com.br
Teatro Sérgio Cardoso (Rua Rui Barbosa, 153 – Bela Vista
Temporada: de 11 de setembro a 31 de outubro
Horário: As sextas, 20h; sábados às 21h, domingos às 18h e segundas, às 20h.
Classificação etária: 12 anos
Duração: Duas horas e meia
Ingressos: De R$ 30,00 a R$ 120,00
Vendas: ingressorapido.com.br
Cartola
– O Mundo é um Moinho
Nota
10
Por
Marcelo Teixeira
sábado, 8 de outubro de 2016
Daniela Mercury: do axé à MPB
Daniela: rainha da axé |
Sempre digo que a música baiana é
dividida em blocos importantes: a primeira retrata a música de Dorival Caymm e
Assis Valente, o segundo bloco é representado pela onda de baianidade
intelectualizada formada por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria
Bethânia, Baby do Brasil, Moraes Moreira e outros e o terceiro e mais
importante bloco é representado apenas por uma única mulher, que revolucionou a
música com três palavras determinantes: ginga, energia e determinação. A década
de 1990 foi marcada pela geração de Daniela Mercury,
que conseguiu uma legião de fãs por todo o Brasil com sua voz, sua dança, seu
balé, sua sofisticação e seu axé. Estávamos saindo de uma onda roqueira,
embalada por roqueiros e bandas com alguma simpatia cordial e estavámos enojados
com o pagode brejeiro de grupos multifacetados que aspiravam a demagogia do
riso forçado, que caminhava lado a lado com as duplas sertanejas que ascendiam
lareiras fervilhantes, mas que nada se comparava aos mitos Chitãozinho e
Xororó. As únicas cantoras que estavam no posto de donas da vez eram díspares
em suas camadas musicais, sendo elas Marina Lima no rock e Daniela Mercury no
chamado axé, pois Marisa Monte, que vinha de um disco maravilhoso de 1988 e Adriana
Calcanhotto, que receberia as glórias em 1990, duelavam entre si pelo posto
mais alto da música, mas o caminho de Daniela estava livre para mostrar o seu
talento e, de quebra, aquilo que ninguém até então tinha ouvido cantar, falar e
comentar. Ao longe e timidamente, cantoras do naipe de Cássia Eller, Zélia
Duncan, Fernanda Abreu apareciam aqui ou ali em apresentações medianas. Mas
1991 foi um divisor de águas na carreira meteórica de Daniela Mercury, que
nesta altura já tinha desistido de ser bailarina para se tornar a maior estrela
da música nacional. Arrastou multidões com a música Swing da Cor (1991), que lhe rendeu centenas de shows e lhe valeu a
fama de cantora das multidões. De fato, não havia uma cantora nacional com
aquela popularidade enorme e Daniela tinha todos os atributos para ser a rainha
do axé. Daniela Mercury era um fenômeno por onde passava e o axé tinha uma
representante à altura. Com coreografias sensacionais, a cantora deixou seu
nome registrado na música nacional como sendo a maior de todos os tempos.
Depois de seu sucesso estrondante, artistas do naipe de Gal Costa, Caetano
Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque passaram a reverenciar sua voz, seu canto
e seu estilo e a tornaram ainda mais em evidência: era o primeiro passo da
cantora no mundo da MPB. A bem da verdade, Daniela já flertava com a música
popular brasileira em algumas faixas de seus discos e esse sempre foi o desejo
da baiana em ser um dia uma cantora distante do axé. Não que o estilo fosse
negativo, mas Daniela sempre almejou ser uma nova Gal Costa, dando a chance de
mostrar para outros públicos o quanto sua voz poderia ser privilegiada fora de
um contexto elétrico. Com a chegada de Ivete Sangalo e, mais tarde, de Claudia
Leite, Daniela deu vazão para o mundo da MPB e foi abandonando aos poucos a axé
que um dia lhe consagrou. A mudança não surtiu tanto efeito assim para os fãs
ardorosos da cantora, mas Daniela soube usar a inteligência e já havia sacado
que se não mudasse de estilo o mais rápido possível, poderia cair no
ostracismo. Não foi o que aconteceu: com ótimas releituras e com a voz ainda
mais valorizada, Daniela conseguiu respeito e admiração de um público cada vez
maior e que conseguia nutrir uma satisfação nada egocêntrica de sua parte. Daniela
conseguiu mostrar sua voz para a cidade e realizou o sonho de ser uma menina
baiana que um jeito que Deus dá.
Daniela
Mercury: do axé à MPB
Por
Marcelo Teixeira
sábado, 1 de outubro de 2016
A obra, o legado, a decadência e o mito Raul Seixas
Raul: mito do Rock |
Raul Seixas morreu em agosto de 1989, derrubado
pelos excessos. Deixou músicas que se tornaram hinos à rebeldia e à
inconformidade com as coisas caretas do mundo e milhares de fãs desolados.
Gente de todos os tipos choraram sua partida, desde ricos, pobres, caminhoneiros,
roqueiros, urbanóides, sertanejos e estudantes. Raul não tinha rótulos, embora
o rock estivesse em sua veia, mas o cantor passeio pelo baião, pelo samba e
pelas baladas, compondo pérolas como Rock
das Aranhas, Metamorfose Ambulante, Ouro de Tolo, Al Capone, entre tantas
outras maravilhas. Mas o que esperar de um garoto problemático que cresce
ouvindo Elvis Presley, Luiz Gonzaga, Chuck Berry e Jackson do Pandeiro? Raul
transitava por todas as searas musicais, dizendo que não tinha um título que o
rotulasse. Gostava de Genival Lacerda, mas também admirava Cauby Peixoto.
Nascido na Bahia em 1945, Raul Seixas gostava mesmo era de intimidar as pessoas
com suas tiradas e sacadas geniais. Várias de suas músicas foram censuradas
pela Ditadura Militar, algumas foram engavetadas para uma gravação futura,
outras tiveram que ter letras trocadas para não serem grampeadas pelo governo.
Seu primeiro disco foi lançado em 1986, com o título de Rauzito
e os Panteras, pela EMI-Odeon, não sendo um grande sucesso de
público e muito menos de crítica. Com tanta desilusão musical, o cantor desfez
a banda e voltou aos estudos, no curso de Filosofia. Não tardou muito e o
cantor voltou à música, em 1972, inscrevendo-se para o VII Festival
Internacional da Canção, classificando aqui duas músicas que se tornariam hinos
consagrados: Let me Sing, Let me Sing
e Eu Sou Eu, Nicuri é o Diabo. Através dessa classificação
sensacional, o cantor e agora compositor reconhecido é contratado pela grande
gravadora, a Phillips. Com sua ida à Phillips, Raul deparou-se com um escritor
fracassado, metido a bruxo e com um lado místico efervescente: Paulo Coelho,
que acreditava em discos voadores e extraterrestres. Através desse encontro, a
vida de ambos, cantor e escritor, passa por uma transformação avassaladora: eis
a parceria mais importante da música popular brasileira. Em 1973 lança sua mais
pura perfeita tradução musical com Ouro
de Tolo e a irônica e zombeteira Mosca
na Sopa. Perseguido pelos militares em 1974, Raul exila-se nos Estados
Unidos e mais uma vez é surpreendido pelo acontecimento histórico e
inacreditável: o encontro com o ícone da música americana John Lennon. Volta ao
Brasil no mesmo ano e compõe Sociedade
Alternativa, O Trem das Sete e Gita,
que se transformou em um disco antológico. Mas nem tudo eram flores na vida
musical de Raul e, por esse motivo, em 1975 lança Novo
Aeon, um disco fraco e que vendeu muito pouco, deixando a todos os
empresários cabisbaixos, mas a qualidade desse disco é igual ou melhor que o de
1974. É nesse disco que se encontra um dos maiores selos românticos da obra do
cantor: A Maçã. Já em 1977 lança O Dia em que a Terra Parou, compondo ao
lado de Cláudio Roberto o hino hippie Maluco
Beleza e que, por consequência disso, passa a ser o apelido de Raul. Esse
disco passa a ser uma obra-prima também para o próprio Raul, pois Gilberto Gil
dá uma canja no violão na música Que Luz
é essa? Em 1978 lança Mata Virgem
e retoma a parceria com o escritor Paulo Coelho, que estava meio estremecida
desde 1975. Deprimido com público e crítica que rejeitaram seu disco Por quem os Sinos Dobram (1979), Raul
exagera no consumo de bebidas e drogas, onde passa por várias internações e
perde metade do pâncreas em uma cirurgia. Apesar dos problemas pessoais, o
cantor volta com carga total e lança um mediano álbum, Abre-te
Sésamo (1980), com relíquias como Anos 80 e Rock das Aranhas.
Tendo uma boa repercussão por causa desse disco, Raul inicia uma pequena turnê
pelo interior de São Paulo, preferindo apresentar-se em cidades pequenas,
levando sua arte àqueles que não podiam ir aos seus shows de grandes
proporções. Essa iniciativa não deu tão certo assim, embora a crítica o
aplaudisse de pé: o cantor era visto bêbado nas padarias, sempre ao lado de um
copo. Raras vezes o encontravam com um bloquinho e uma caneta rabiscando alguma
música. Desse bloquinho ainda surtiram efeito de luz no fim do túnel e Raul põe
no mercado, agora pelo selo Eldorado, o disco Raul Seixas, que conseguiu
emplacar Carimbador Maluco e a música
infantil Plunct-Plact-Zumm. Já em
1984, o cantor lança Metrô Linha 743,
pela Som Livre, que teve uma música censurada: Mamãe Eu Não Queria (Servir o Exército). Depois desse disco e sendo cada vez mais
chamado de Maluco Beleza, Raul passaria por outras gravadoras e isso virou
piada entre o meio musical, pois mostrava a já decadência do artista. Porém, em
1987, no disco Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Bém-Bum!,
pela Copacabana, nasceu um de seus últimos hinos: a bela Cowboy Fora da Lei. O ano de 1988 não começou bom para o cantor,
que vinha se tratando de vários problemas relacionados a álcool e lança um
disco mais fraco que o de início de carreira, em 1968 e o de 1979. A Pedra do Gênesis (1988) foi muito mal recebida
por todos e Raul decide-se se isolar por completo. Mas graças ao amigo e cantor
Marcelo Nova (nesse tempo, Paulo Coelho já estava afastado de Raul), o convence
a gravar novamente. O último disco da carreira de Raul chama-se A Panela do Diabo (1989), sendo um convite
a sua saída derradeira aos 44 anos de idade e sendo um ícone da música nacional
brasileira. O grande legado que Raul Seixas deixa para a música contemporânea é
o seu mundo representado por músicas místicas envolvidas por ritmos até então
nunca imaginadas juntas. Raul não fora
apenas um cantor que ministrou o baião, o samba e o rock no mesmo palco, mas
sim, um grande cantor que estava desenhando o seu mundo imaginário através
daquilo que achava justo e correto cantar.
O
legado de Raul Seixas
Por
Marcelo Teixeira