sábado, 20 de fevereiro de 2016

Malditos Populares: surpresa na MPB




Malditos Populares: grata surpresa na MPB
Nos dias de hoje, em que a música pede socorro e licença ao mesmo tempo, fazer com que uma boa canção adentre em nosso ambiente é algo arriscado, difícil e muito comprometedor. Precisamos ter, acima de tudo, paciência e competência para podermos ouvir com tímpanos abertos sobre o novo, aquilo que realmente nos arremata, nos catalisa, nos envolve e nos sabatina. É preciso termos fôlego para podermos dizer que o que ouvimos é de qualidade, musicalmente brasileiro, puramente ético, excelentemente sambístico e harmonicamente belo. Para tanto e com tantos dissabores musicais sendo lançados a cada minuto Brasil afora, é preciso termos cautela para podermos dizer o que é bom do que é plausível, do que é descartável, do que é sonoro e do que é possível um reconhecimento cabível de nossa atenção. Dito tudo isso, me surge de repente uma banda relativamente nova no mercado nacional brasileiro que, a primeira audição, me encantou, me sabatinou, me deixou de queixo caído por ter todos os ingredientes na qual me envolve: música milimetricamente saudável, sambas de altíssima qualidade, letras competentes, empirismo musical, estilo, categoria, sensibilidade e voz. Em um Brasil em que as mulheres ganharam mais espaço na música brasileira, sempre busquei uma voz masculina que pudesse ressoar pelos cantos do país como uma voz potente, saliente e temporal. Cesar Capretti, o cantor e compositor da banda Malditos Populares, consegue esse feito em um disco que beira a loucura entre a elegância e a sordidez de um belo álbum. Com letras envolventes, sambas bem compostos, marchinhas de carnaval com direito à recordação de um passado não muito distante, a banda Malditos Populares consegue ser uma das melhores surpresas na música popular atual. Aos Amigos (2016) não é um disco qualquer: é um disco bem mais que popular, é um soco no estômago da sociedade puritana, um tiro de misericórdia na cultura brasileira, um esfolo na cara de quem precisa conhecer seu próprio estilo. Não existe aqui uma melhor canção, pois todas são excelentes, casando-se uma com a outra, sendo uma mistura calórica de abastada musicalidade. Sendo um disco independente, a banda Malditos Populares conta um time da pesada: Cesar é o compositor e vocal, Marcello Lervolino também é o compositor e toca violão de 6 e 7 cordas. Os músicos de apoio são formados pelos competentes Fabinho Reis (bateria), Wellington Diniz (percussão) e Ale Sanfona (sanfona, piano e contra-baixo e também produtor  e diretor musical do álbum). E tem as meninas fazendo backings em algumas faixas: Amanda Pandolfelli, Juliana Taino e Mrina Jurado. Com críticas ácidas em praticamente todas as suas letras, a banda extrai um lado político com senso comum pouco incomum, politizando sua marca registrada e se tornando um dos melhores produtos do mercado. Impossível não fazermos uma comparação entre a voz potente de Cesar Capretti com a atual situação musical: nos faltava um cantor à altura de seu talento para nos orgulharmos de sermos brasileiros. Aos Amigos não é um disco qualquer que precisa ser apenas ouvido uma única vez: é um disco que já nasceu pronto, nasceu para ser referência nacional, nasceu para ser exemplo que de ainda podemos nos surpreender com a qualidade musical escondida entre nós. Grata surpresa que surgiu na maior metrópole do Brasil, Malditos Populares é uma banda brasileira que canta samba, MPB e músicas altamente ricas, necessárias para a nossa cultura oriunda e para aqueles que respiram a verdadeira alma lírica musical. Precisamos ouvir a voz de Cesar Capretti para termos certeza de que a nossa cultura não morreu, a nossa música está a salva de dragões malditos e de que nossa certeza popular está aqui, diante nossos ouvidos!

 

Aos Amigos (2016) / Malditos Populares
Nota 10
Marcelo Teixeira

sábado, 13 de fevereiro de 2016

O poder de Elza Soares


Elza e o fim do mundo
Não é fácil ser Elza Soares. Embora sua imagem esteja inúmeras vezes associada a Garrincha, Elza Soares é muito mais que a ex mulher de um dos maiores jogadores de futebol do Brasil. Considerada a melhor e a maior voz de todos os tempos pela BBC de Londres, Elza sofreu racismo, apanhou, gritou, cantou o amor, cantou a desilusão, vociferou contra as mazelas e a favor de um povo oprimido e carente. A música em sua vida sempre foi prioridade, assim como aquilo que canta, que mais soa como verdade e transpassa a sua emoção que irradia de sua pele para a pele seguinte. Elza pediu passagem, ganhou liberdade e continuou vociferando contra vozes ocultas dentro de um segmento musical, racista, feminino e caricatural. Elza é Elza, negra, mulher, cantora, a maior de todas. Caiu no ostracismo, Chico Buarque a ajudou a dar a volta por cima, tombou, se machucou, ralou os braços, cortou as mãos e Caetano Veloso fez das tripas coração para ver do cóccix até o pescoço inteira, em pé, vibrante, rosto entonando para o alicerce de uma luz sem fim, reinando poderosa e soberba sobre aquilo que já sofrera, já se arrependera e se machucara. Elza sobreviveu! E sobrevivendo desses ostracismos e dessas guerras mundiais e musicais, voltou triunfal em 2002 pelas mãos de dois gênios da música popular brasileira e caindo nas graças, mais uma vez, do público e da crítica especializada. Passados mais de dez anos desde o lançamento de inéditas, Elza adentra com o pé direito e nos ensina o que é ter quase 80 anos de idade e lançar um disco maravilhoso, saboroso e original como o que lançou no ano passado! Eu me rendo, porque Elza não esmorece e sabe que seu lugar é o de ponta na MPB: há requintes de sabedoria aqui, há música de verdade, há voz de Elza sobre canções verdadeiras, ideológicas, caprichadas. Entre palavrões e machadadas de pensamentos periféricos, A Mulher do Fim do Mundo (2015 / Circus / Natura Discos / 29,99) é um belo retrato entre a paisagem da favela e da menina que se transforma em mulher por entre becos cheirando a drogas e calcinhas penduradas no varal. O reflexo entre o submundo do circuito inteiro das mulheres que se transformam em escravas do lar perante seus homens é um divisor de águas neste disco, sendo retratada de forma explorada em praticamente todas as faixas do álbum: há tiros, pulverização de terra batida, becos mal iluminados, ruas vazias sendo observadas por meninos pretos que logo serão bandidos e donos do pedaço. Há a mulher prostituta, há o lirismo sutil de Berenice, há a aclamada guerreira Maria da Vila Matilde. Há belezas com a sofreguidão estampada no estampido do revólver do marginal, há o cenário destruído e pobre de um fim do mundo que pode ser bem ali, na porta da entrada da sua casa. Elza pediu passagem, ganhou a liberdade e conseguiu ser ouvida pelo povo oprimido, pelos novos compositores, para chegar ao sopro de um disco à altura de seu peso e acima de seu poder. Eis aqui o poder de Elza Soares!

 

A Mulher do Fim do Mundo (2015) / Elza Soares
Nota 10
Marcelo Teixeira 

domingo, 7 de fevereiro de 2016

O samba não pertence à Zélia Duncan





O samba não é da Zélia
Não era de hoje que Zélia Duncan queria fazer um disco apenas de samba e isso ela já deixara gravado em várias entrevistas e até fazendo incursões de sambinhas e sambões em seus discos anteriores. No excelente disco Eu Me Transformo em Outras (2005), a cantora desenvolveu uma técnica impressionante na arte de se reinventar, cantando em estilo ao vivo e mostrando-se como uma vertente expoente de nossa música. Mas são raras as interpretações de Zélia que realmente ficam boas. Cantando samba não chega a empolgar como quando nos empolga com músicas mais românticas ou que nos revelam sua identidade camuflada em letras originais e emotivas. Zélia cantou samba em quase todas as suas obras, não inteiramente, mas em partes e esse feito foi comemorado bravamente como sendo uma cantora de MPB. Isso também aconteceu com Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band (2005), na faixa Quisera Eu, um samba mais puxado para a marchinha de carnaval composta em parceria com Lulu Santos. Esse disco foi uma concepção de harmonias sintéticas entre a música popular brasileira e a plataforma roqueira de Zélia, que vinha de experiências em que mesclava esses ritmos sempre com sofisticação. Mas determinar um disco inteiramente ao samba, a um estilo musical que lhe foge dos padrões, não é uma tarefa fácil e muito menos para qualquer cantor. Zélia errou ao se dedicar de corpo e alma ao samba, assim como errou ao selecionar músicas de compositores carimbados como forma de enriquecimento musical. Explico: Zélia Duncan não consegue segurar um disco inteiro ao samba porque sua voz cansa, entoja um sentimento que não soa verdadeiro e não faz parte de sua identidade. Quando digo que a voz de Zélia cansa, não digo no sentido figurado, pois Zélia é uma das melhores cantoras da atualidade, mas cantar um ritmo que lhe exige competência vocal acima dos limites, é para poucos. Mas Antes do Mundo Acabar (2015 / Biscoito Fino / 28,99) tem uma capa perfeita, assim como as muitas das capas de disco de seus trabalhos anteriores. Tentar perpetuar ou adentrar em um universo desconhecido pode ser fatal para muitas pessoas e no caso de Zélia Duncan não fora diferente: ao invés dela dominar o samba, foi o samba quem negou a sua permanência dentro dele.


 


Antes do Mundo Acabar (2015) / Zélia Duncan
Nota 8
Marcelo Teixeira

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Cadê o samba de Roberta Sá?


Cadê o samba, Roberta?
Roberta Sá já foi escolhida pelo Mais Cultura Brasileira como sendo uma das melhores intérpretes dos últimos anos dentro da MPB e já fora selecionada também como uma das grandes revelações musicais em um programa de TV que descobria novos talentos. Ela não chegou a ficar em primeiro lugar, mas foi apadrinhada por Ney Matogrosso e, mais tarde, caiu nas graças de Chico Buarque, com quem já dividiu faixas em duetos imperdíveis. Lançando seu sexto álbum, a cantora se deleita em um universo que conhece muito bem e que já foi muito bem recebida. Delírio (2015 / MP,B Discos / Som Livre / 29,99) é um disco atemporal, bom, estiloso, mas confuso. Primeiramente porque tem uma capa escura, remetendo ao disco de sambas de Maria Rita, Coração a Batucar (2014) e segundo que esse universo sambístico de Roberta está mais para o pop que o samba verdadeiramente dito. Mesmo tendo uma interpretação sensacional, a cantora deixa a desejar em canções que poderiam ser melhor executadas, como, por exemplo, na canção que leva o título do trabalho, Delírio: cadê a inspiração? Por onde anda a exuberância de Roberta Sá? Obviamente, esse novo álbum não lhe trouxe nenhuma grande oportunidade de poder continuar sendo uma das melhores cantoras de sua geração e com Delírio, a cantora mostra que o seu samba é mais popular que o popular. Se formos levar ao pé da letra, Roberta Sá poderia ter atribuído o samba em discos como o de estreia, Braseiro (2005), Que Belo e Estranho Dia Para se ter Alegria (2007) ou o último e morno Segunda Pele (2013). A bem da verdade, seu samba está mais para pagode de pé de mesa do que para o genuíno samba de morro, samba de pé ou samba de verdade. Mas a cantora não errou totalmente ao lançar um disco em homenagem ao samba e talvez o grande erro de Roberta tenha sido a inspiração que teve ao ouvir Micróbio do Samba (2011), da cantora Adriana Calcanhotto. Ao ouvir e se inspirar, Roberta decidiu que faria um disco em duas formas de homenagem: tanto para o samba como para Adriana. Errou duas vezes: quem conhece e acompanha a carreira de Roberta sabe que a cantora sempre cantou um ou outro samba em seus discos e sempre com a maestria e a sabedoria de uma grande estrela. O segundo erro foi se inspirar no disco de Adriana Calcanhotto, afinal, Micróbio do Samba não é um disco de samba, porque Adriana Calcanhotto não faz samba. Adriana Calcanhotto faz marchinhas de Carnaval, o que é totalmente diferente de samba. Delírio não influenciou em nada na carreira sólida de Roberta, mas ajuda a difundir aquilo que ela mais tem de melhor: a voz!

Cadê o samba de Roberta Sá?
Nota 7
Marcelo Teixeira