quinta-feira, 31 de julho de 2014

Entrevista: Alberto Salgado




Alberto Salgado: o entrevistado*
Uma das melhores vozes masculinas dos últimos tempos, Alberto Salgado é um cantor inspirado e transpassa essa inspiração a quem o ouve. Tudo o que vêm de Alberto soa como poesia, lirismo ou pura música, pois como o próprio cantor diz, a música é a expressão da vida em forma de som. Seu CD, Além do Quintal, foi lançado recentemente e conta com uma brasilidade impressionante, misturando ritmos e tendências musicais e demonstrando todo o seu equilíbrio contagiante ao compôr sobre a pluralidade da vida, colocando sobre isso toda a sua magnitude ao se impor como um dos cantores mais espetaculares da atualidade. Aproveitando o lançamento de seu primeiro disco, o Mais Cultura Brasileira teve o privilégio e a honra de poder bater um papo com este grande músico. Elogiado por dez entre dez estrelas da música, Alberto Salgado faz com que Brasília acorde mais animada ao som de suas músicas, sempre procurando levar sua voz ao ouvinte que não o conhece.  Nesta entrevista surpreendente, que vai do samba ao baião, Alberto Salgado revela detalhes de seu minucioso trabalho, diz o que há além de seu quintal e que os melhores cantores são Emílio Santiago, Elis Regina, Kiko Klaus e Juçara Marçal.

 

Marcelo Teixeira: Alberto, o que é música pra você?

Alberto Salgado: Música pra mim é a expressão da vida em forma de som.

M.T: De onde surgiram as inspirações para o disco Além do Quintal (2014)?

A.S: O disco Além do Quintal foi construído a partir de composições antigas e de parceiros naturais daqui de Brasília (meu quintal) e de parceiros de outros estados (além daqui), o que deu a primeira ideia de se colocar o nome desse disco homônimo à música Além do Quintal, feita em parceria com Atan Pinho, e que trata esta de tema ecológico. O disco Além do Quintal é na verdade uma espécie de catálogo dos meus posteriores discos. Por isso preocupei-me bastante em colocar ritmos diversos, dos quais cada ritmo presente no disco, representa um segmento diferente de música. Por exemplo, a própria faixa intitulada Além do Quintal, tem uma pegada bem africana e com influências da música árabe e indiana, porém sem perder a brasilidade também presente. E pretendo fazer o próximo disco todo naquela pegada mais tribal. A fim de dar um caráter mais homogêneo ao disco.  E assim será com todas as demais composições. São 12 faixas, mais uma remix no álbum Além do Quintal. Então terei muito trabalho nessa vida, graças a Deus!

M.T: Suas músicas são de altíssima qualidade, com começo, meio e fim e com letras que fogem do determinado comum das coisas, não fala apenas de amor e sim da nossa realidade cotidiana. Você acha que a sua música ajuda a difundir a qualidade musical de hoje em dia?

A.S: Modéstia parte acredito sim. Não só pelas composições, como também pelos amigos que gravaram comigo. Tendo em vista que nos anos 90 por exemplo, pouco vi e ouvi de trabalhos autorais como vem ocorrendo agora. E acredito que atualmente (graças a internet) podemos acessar trabalhos maravilhosos que ajudam muito a enriquecer a música brasileira de qualidade, que parecia estar tirando férias em outros países. Citarei aqui alguns que admiro demais e tenho muito respeito aos seus trabalhos. São eles (as): Nathália Lima, Kiko Klaus, Paulinho Beissá, Wilson Bebel, Juçara Marçal, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Douglas Germano, André Abujamra, Raquel Coutinho, Fernanda Cabral, Vavá Afiouni, Andréa dos Santos, Alessandra Leão, Curumim, Túlio Borges, Litieh Pacelle, Eduardo Rangel, Silvério Pessoa, Arthur Maia entre outros que considero grandes artistas, que representam bem o lado bom da música brasileira. Sem contar os músicos e compositores que trabalham com música instrumental. Altíssimo nível!!!

M.T: Brasília sempre foi um pólo cultural muito rico e muito detalhado para todos nós. Do rock para a MPB, sempre esteve presente na vida cultural brasileira. Hoje Brasília recebe de braços abertos diversos ritmos musicais e a sua música tem apreço estimado por aí. Como se explica isso?

A.S: Brasília é um palco onde se reúne e apresenta a grande diversidade da cultura brasileira. Aqui temos acesso a todas as culturas presentes não só no Brasil, como também de diversos cantos do mundo. Sendo assim, percebi o quanto meu trabalho é aceito e recebido com muito carinho do público daqui. E por essa diversidade toda, acredito que não é difícil qualquer compositor com trabalho de qualidade passar batido, sem o devido e merecido reconhecimento do público. Temos público para tudo no Brasil. Porém o público daqui é bem exigente e com razão. Se a maioria gosta de boas coisas em minha cidade e estou no papel para servi-los com minha arte, terei que fazer o melhor possível para merecer esse precioso reconhecimento. O público é quem nos faz crescer e melhorar cada vez mais.

M.T: Pensa em fazer shows pelo Sudeste ou levar Além do Quintal para outras regiões do Brasil?

A.S: É o que mais quero! Percebi também que mesmo com a internet, ainda existe uma pressão sobre nós artistas em termos que sair de nossa cidade e buscar o eixo RJ-SP, para ampliar nossas portas e palcos. Infelizmente ou não, ainda é comum artistas fora desse eixo terem que abandonar suas cidades para fazer mais shows.

M.T: Em um país com tantas vozes femininas, a sua chega em um momento em que música pede passagem ou mais respeito?

A.S: Não diria mais respeito, pois temos belíssimas cantoras no Brasil. Mas não posso negar que minha voz pede passagem também. Ou melhor, espaço para mostrar meu canto.

M.T: Um cantor?
 
A.S: Emílio Santiago. Mas contemporâneo ao momento atual: Kiko Klaus.

M.T: Uma cantora?

A.S: Elis Regina. Mas contemporânea ao momento atual: Juçara Marçal.

M.T: Se você não fosse o excelente cantor que és, seria um excelente...?

A.S: Professor de música... (risos)

M.T: Numa de nossas conversas, você disse que não gostava de cantar nem de compor somente sobre o amor, sendo que a maioria das pessoas gosta de ouvir sobre isso e a maioria dos cantores canta sobre isso, mas você prefere ir para o lado contrário. Por quê?

A.S: Porque acredito demais no poder que nós compositores temos em auxiliar a sociedade e alertar para temas sociais de urgência. Como Saúde Pública, famílias que sofrem por ter alcoólatras ou usuários de crack, por exemplo, como citado na música Tem Uma Pedra, feita também em parceria com Atan Pinto. Aí com tantos problemas urgentes, não consigo ter um coração egoísta em exaltar apenas um amor que é menos abrangente (amor de namorados) que a necessidade do amor universal em ajudar muito mais pessoas com mensagem que reforcem uma ideia positiva de uma mudança a quem precisa. E muitas pessoas precisam, infelizmente. Porém nada tenho contra a quem canta só músicas românticas. Só sei do que gosto, do que não gosto e do que posso fazer. Mas também rolam duas canções neste álbum que soam como românticas, que são Cores da Vida e Lombra. Ambas de minha autoria.

M.T: Além do Quintal tem uma mistura de samba, baião, pitadas de romantismo, delicadeza. Qual foi o critério para fazer nascer o álbum?

A.S: Como é meu primeiro disco, o Além do Quintal, fiz escolha de algumas canções antigas, que eu precisava gravá-las para enfim, começar de fato outros discos com ritmos mais homogêneos. Sem desprezar a qualidade indiscutível do disco, claro. Porém, ele nasceu da necessidade de eu ter que montar um catálogo que represente através de cada música um segmento para cada próximo álbum.

M.T: Além do Quintal, para mim, é um dos melhores discos do ano de 2014, com ótimas letras, ótimas melodias e ótimas vibrações. Mas qual é o seu plano para depois deste mega sucesso?

A.S: Obrigado pelo elogio! Bem, meu plano é de circular ao máximo apresentando este trabalho a maioria das pessoas que eu puder. Quero cruzar o país com o passaporte que a música nos dá. Não sei se será possível, mas sonho é sonho e ainda bem que é de graça sonhar. Espero positivamente que eu possa alcançar e construir bons públicos através deste trabalho primoroso feito com muito amor e muito sonho.

M.T: O que há além do quintal, Alberto?

A.S: Além do quintal há muitos mundos a serem descobertos. Muitos sorrisos para serem admirados, muitos brilhos nos olhos. Mas também há muita gente precisando de ajuda e se conseguimos sair além do quintal, é porque de alguma forma merecemos ou precisamos.

M.T: Para encerrar, Alberto, como seria a vida sem música?

A.S: A vida não teria voz!

 
Muito obrigado por ceder um precioso tempo para esta entrevista, Alberto.

E pra você que quer conhecer um pouco mais da obra deste sensacional cantor e compositor, basta acessar os links abaixo para ter o melhor de sua música com apenas um clique.


Foto: Amanda Freitas
 

Links:

 






 

 

Entrevista com Alberto Salgado
Por Marcelo Teixeira

terça-feira, 29 de julho de 2014

Tio Samba Show em única apresentação no Rio de Janeiro


Tio Samba: perfeitos em tudo
Tio Samba Orquestra é um grupo exclusivamente de samba e lança seu primeiro DVD na Sala Baden agora dia 2 de agosto, mostrando boa música e versatilidade entre os integrantes. Tente juntar instrumentos de sopro (com direito até a uma tuba) a outros instrumentos de cordas e percussão. Imaginou uma orquestra? OK. Uma sinfônica? Não, exatamente... Que tal uma orquestra de samba? É como podemos definir o Tio Samba e seus 12 componentes. O grupo, que tem no currículo três CDs, lança no Rio de Janeiro, na Sala Baden Powell seu primeiro DVD, Tio Samba Show, que contou com as participações especiais de Diogo Nogueira, do cantor pernambucano André Rio e do grupo Mulheres de Máscaras (formado por Flávia Dantas, Julieta Brandão e Nina Wirtti). Um show é uma coisa muito maior do que a apresentação de um repertório a uma plateia. Após 15 anos de existência, sentimos que era fundamental registrarmos nossa performance ao vivo. Com o lançamento deste DVD, podemos oferecer às pessoas este algo a mais, que vai além da nossa execução musical. Isso permite que nosso público tenha a integralidade de nossa arte à mão para aproveitar-se dela a qualquer momento e em qualquer lugar, explica Carlos Mauro, compositor e vocalista do grupo. O repertório do show de lançamento é praticamente idêntico ao do espetáculo registrado no DVD, com a inclusão da marchinha Gás de pimenta (Carlos Mauro e Sergio Barros), feita para o carnaval de 2014 e cuja gravação, de estúdio, integra os extras do DVD. O roteiro musical reúne canções dos CDs lançados pelo grupo, além da releitura com arranjos inéditos para três clássicos do samba: Chiclete com banana (Gordurinha e Almira Castilho), Bela cigana (Ivor Lancellotti e João Nogueira) e É preciso discutir (Noel Rosa). Com arranjos que unem cordas e sopros a percussão dos grupos regionais de samba e choro, o grupo tem no currículo os CDs Quero Ver (2003), É Batata!, dedicado a obra de Carmen Miranda (2010 quando foi finalista do 22º Prêmio da Música Brasileira na categoria Melhor Grupo de Samba) e Mais pra cá do que pra lá (2012). Este proporcionou, em 2013, a indicação do Tio Samba como finalista no troféu Samba é tudo de bom na categoria Melhor Grupo. O Tio Samba é formado por Carlos Mauro e Luciana Lazulli (vocais), Marcio Arese (sax tenor), Fabiano Segalote (trombone e bombardino), Carlos Vega (tuba), Beatriz Stutz (clarineta e sax alto), Matheus Moraes (trompete), Bernardo Dantas (violão 7 cordas), Thiago Cunha (cavaquinho), Diogo Barreto, Alfredo Alves e Marconi Bruno (percussão). Serviço: Show de lançamento do DVD Tio Samba Show. Vale a pena porque trata-se de única apresentação!

 

Serviço:

 

Tio Samba Show

Dia 02 de agosto (sábado), às 20h Sala Baden Powell

Local: Av. N. S. de Copacabana, 360, Copacabana.

Informações: 2255-1067/ 2548-0421

Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia entrada para os casos previstos na lei) Assessoria de imprensa: Silpert & Chevalier Comunicação

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Gal Costa canta e encanta Chico e Caetano


Gal entre amigos
Se cantar as músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso já é um sopro de alívio aos nossos ouvidos, imagem algumas dessas pérolas na voz cristalina e suave de Gal Costa? Pois bem, a cantora baiana resolveu coletar algumas das melhores músicas do conterrâneo Caetano e do carioca Chico para fazer-lhes uma justa homenagem no CD Mina D’água do meu canto (1995 / BMG Ariola / 26,99), que teve a direção primorosa de Jaques Morelenbaum e é um dos mais respeitosos discos de toda a carreira da cantora. Lançado após o provocativo show e disco O Sorriso do Gato de Alice, em que mostrava os seios na música Brasil, de Cazuza, a cantora tinha motivos de sobra para lançar um disco mais expoente de sua carreira, mostrando sua irreverência afetiva para com os amigos homenageados e atenuando-se das polêmicas do ano anterior. A prova disso está marcada neste disco, marcado pelo virtuosismo de sua voz e pelas belas palavras de cada faixa, como Odara (Caetano), Futuros Amantes (Chico), Língua (Caetano) ou A Rita (Chico). Gal Costa, com sua voz de panela como atestou em entrevistas em início de carreira,  se viu obrigada a lançar um disco mais denso, porém não de todo melancólico, para alfinetar os críticos da época, que apostavam na decadência da cantora. Mero engano. Para alguns críticos da época, de fato, o disco não passou de mais um na carreira da cantora, mas para muitos (como para mim, que não vivenciou corretamente esta época do Sorriso), o disco, que encerra de vez em formato de vinil na carreira da cantora, se transformou em um dos mais experimentais discos em homenagem em vida de dois dos maiores gênios da música popular brasileira. Há beleza no canto de Gal em todas as faixas do disco e a atmosfera atemporal é a mais respeitosa possível, transmitindo uma certa inquietude em sua voz e, ao mesmo tempo, um certo ar de nostalgia. Todas as faixas deste magnífico álbum tem a sua devida importância para a própria Gal Costa, pois era a sua necessidade de se reinventar, mostrar a sua cara e se firmar como uma das cantoras mais experientes do país. Há lirismo poético aqui, assim como há o romantismo. Não há política, mesmo em se tratando de dois compositores politicamente incorretos. Mas o amor imperando neste, que é um dos mais brilhantes discos de Gal para firmar o elo de amizade entre ela e seus dois gênios amigos.
 

Mina d’água do meu canto (1995) / Gal Costa
Nota 10
Marcelo Teixeira

segunda-feira, 21 de julho de 2014

As nuances musicais de Tito Marcelo em Frágil Verde (2007)

Frágil Verde: excelente em suas nuances
A música que dança nos sonhos de Tito Marcelo é a mesma música que ronda os homens que fazem a boa música: inspiradora, criativa, capacitada de emoção, sensível. De tão frágil, ela penetra em nossos poros e causa rebuliço por entre tímpanos, coração, garganta, pele e sangue. Sua música vicia e é um vício bom: não conseguimos parar de ouvir, de dançar, de cantarolar. Tito Marcelo é um dos poucos e raros cantores da nova safra de músicos que conseguem hipnotizar com sua música em um mercado próprio para mulheres. Lançado em 2007, Frágil Verde, Força de Quebrar (2007 / Independente / 19,99) é um disco pop, dançante, com ritmo, cadência, fina estampa e que preserva a natureza como ela deveria ser preservada. O título não foi aleatório: aqui há uma responsabilidade social do cantor em resguardar as matas que são deterioradas pelo homem selvagem e a música de Tito surge em um momento propício para esse resguardamento. Todas as dez faixas são de composição de Tito, que mostra versatilidade ao abordar temas florais como o amor, a relação entre homem e mulher, a natureza, a felicidade, o entorno dos meses subsequentes, o carinho, o afeto. Meio jazzístico, Frágil Verde, Força de Quebrar é um disco que nasceu para ser muito bem representado dentro da música popular brasileira, com suas nuances perfeitas, sons híbridos e cores neutras. O cantor recifense ganhou o Brasil com sua voz peculiar, sem ruídos, sem estribilhos e carimbou sua permanência na música atual como sendo um dos melhores cantores e compositores de sua seara. Basta ouvir Perdido na Lua, um baião produzido como nos moldes do passado, com começo, meio e fim sobre um amor perdido e abandonado. Nesta bela canção, o cantor divide a faixa com a cantora Barbara Mendes, cantora esta que já foi agraciada e apadrinhada por ninguém menos que Djavan e traz na bagagem discos sensacionais para o deleite da cultura brasileira. O acerto de Tito em cantar ao lado de Barbara foi notória: um casamento perfeito de vozes e o hino de uma música rica em detalhamentos específicos sobre a lembrança do Nordeste. E é essa a diferença entre Tito Marcelo e a nova música de hoje em dia: ele sente a canção, sente a atmosfera, o momento certo para cantar, as músicas encaracoladas com o sentimento de fazer com que sua música chegue até o próximo numa sintonia de respiração e olhares atentos. Tito Marcelo é muito além de um cantor, porque ele emociona, transmite o anseio que vem dele para nós, nos reaviva através de sua voz, nos conduz ao caminho certo quando estamos indo ao lado contrário da dor. Sua música é puro alívio para as dores de amor que sentimos; sua verve musical nos acaricia por dentro, reiterando com as mãos todo o sentimento que existe na canção. Cantor raro, destinado a cantar, único, Tito Marcelo faz de Frágil Verde, Força de Quebrar um dos mais belos discos de todos os tempos da MPB com toda a categoria, toda a astúcia, toda a malemolência e persipcaz de um grande artista brasileiro prestes a ser alçado ao seu posto maior: a essência de sua música.
 
 

 

Frágil Verde, Força de Quebrar / Tito Marcelo
Nota 10
Marcelo Teixeira

quinta-feira, 17 de julho de 2014

O alvorecer de Clara Nunes

Clara: notoriedade em 1974
Clara Nunes foi, sem sombras de dúvidas, a maior entre as maiores cantoras do Brasil. Basta ver seus clipes, suas músicas e sua defesa para com uma religião (e um povo – o negro), para saber que a cantora era uma verdadeira Guerreira, apelido que lhe coube muito bem naqueles dias em que ela enfrentava a todos ao se apresentar e a cantar da forma como queria. Clara é insubstituível e suas músicas provam que ninguém as cantará da melhor forma possível, porque sempre haverá uma nota ou uma palavra distorcida. Se há uma cantora que chegou bem próximo deste feito após mais de trinta anos de sua morte, essa cantora foi Fabiana Cozza, que consegue driblar as danças, os giros, os atabaques e fez de O Canto Sagrado (2013 / Agô Produções / 39,99) em uma verdadeira aula de musicalidade e religiosidade em homenagem à grande dama do samba. Mas vale lembrar que Fabiana Cozza chegou bem próximo desta realidade: há um misto de arrepios com uma sensação de que Clara surgisse no palco há qualquer momento durante os espetáculos e era justamente esta a sensação que causa ao falarmos que Clara é insubistituível. Graças à religião, ao candomblé, à umbanda (religiões estas que crescem demasiadamente no país), que a cantora ganhou notoriedade ao ser uma das protagonistas mais sutis de rodas de samba e de controvérsias para os seus desafetos. No disco Alvorecer (1974 / Odeon / 19,99), Clara gravou Conto de Areia, canção que até hoje é cantada e lembrada e que fala dos mistérios e segredos preservados nas densas bebedeiras da Bahia. A letra é uma reza: restaura inquietas efígies de lendas e santos, contos e lendas, misticismo e religião ao tecer o que há de mais belo neste canto. Desvendando os mistérios dos santos, o disco ponteia o melhor do candomblé na voz doce e meiga de uma das cantoras que se tornaria dama em questão de anos. Em Alvorecer tudo era inédito: desde a capa do disco, que mostra uma Clara com vestes de baiana e com penduricalhos que mais soavam como miçangas de deuses até sua devoção ao candomblé, religião que não foi muito aceita por muitos na época. Mas para mostrar que Clara era Guerreira, bateu o pé e fincou seu nome entre as cantoras mais populares do Brasil, demonstrando que a força de seu canto e o brilho de sua face eram mais significativos que qualquer outra coisa. Clara sempre dizia que seu canto era a sua verdadeira vida, a sua história, a sua luz e que cantava porque gostava e a cada disco lançado, a cantora trazia um pouco da história dos negros, da África perdida no tempo, dos homens que matavam por gânancia, do amor repudiado por desenganos. Obviamente que Alvorecer surgiu para ser um dos discos mais célebres da carreira da cantora, sendo o ponta pé inicial para a sua incursão na religião africana. Talvez o que o povo brasileiro não saiba é que todos nós viemos da África, mesmo torcendo os narizes brancos e o que Clara Nunes fez foi apenas reforçar e estimular as mentes dessas pessoas preconceituosas a pensarem sobre tal assunto.
 
 

Alvorecer (1974) / Clara Nunes
Nota 10
Marcelo Teixeira

 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A morte de Vange Leonel


Morreu Vange
Vange Leonel não era uma campeã de vendas de discos, nem seus livros eram tidos como best sellers, mas a cantora, escritora e ativista do movimento em prol das causas LGBT ganhou notoriedade mais pelas escritas em jornais, revistas e blogs do que por sua voz. Mas ainda sim, Vange Leonel arriscou fazer um disco qualquer um dia da sua vida e acertou quando a novela Vamp foi ao ar, em 1991, se tornando um grande sucesso de público e crítica. Assim sendo, a abertura da novela também foi um sucesso e lá estava Vange Leonel. A música Noite Preta esteve no auge e permanece hoje como sendo uma música de vampiros. Vange Leonel muitas vezes foi confundida com Cássia Eller e a mesma não se constrangia com isso: ela ria. Aliás, rir era o melhor remédio da cantora: ela ria de si mesma, ria das mazelas, criticava rindo sobre o futebol e sobre a cerveja, seu assunto principal em uma revista econômica. Numa noite preta como esta, venho até aqui para dizer que Vange Leonel morreu. Parafraseando o que não é irônico nem sutil, morreu não apenas uma cantora qualquer, mas sim uma escritora, uma jornalista, uma ativista, uma mulher intelectual e que poucos conheciam. Afinal, o Brasil de Vange Leonel era o Brasil desconhecido por muitos, mas que muitos insistiam em tentar conhecer. De Vange nasceu a música Esse Mundo, que retrata um certo sonho de congregação da comunidade gay, em que diz bem vindos, bem vindos aqui / o trem já vai partir / desarmem suas tendas / temos muito a descobrir / não há um lugar no mundo onde não podemos ir... esse mundo vai nos ver brincar / esse mundo vai nos ver sorrir / esse mundo vai nos ver cantar. A utopia do ulterior é saber que o mundo não cantou devidamente como devia as músicas de Vange Leonel, mas Vange Leonel se despede do Brasil sendo homenageada por quem a conheceu em vida!

 

Vange Leonel (04/05/1963 – 14/07/2014)
Marcelo Teixeira

 

As emoções de Maria Bethânia ao cantar Roberto Carlos

As canções de Roberto por Bethânia
Não é tarefa para qualquer um cantar as músicas de Roberto Carlos com tamanha emoção e dedicação, ainda mais um disco inteiro. Escolher a dedo apenas onze faixas de um acervo de mais de quinhentas músicas é padecer em qualquer lugar quente deste planeta, mas Maria Bethânia conseguiu este feito ao lançar o audacioso projeto As canções que você fez pra mim (1993 / Polygram / 19,99), disco praticamente raro de encontrar hoje em dia. Trata-se de uma grande homenagem da cantora ao cantor e compositor Roberto Carlos, de quem Bethânia se considera fã. Maria Bethânia sempre foi dotada pelo respeitoso repertório daquilo que canta e ela sabe que canta com maestria, sofisticação, austeridade e potência sem deixar que o romantismo piegas dos tempos áureos se percam. A impressão que transpassa do disco para nós e, obviamente, de Bethânia para o disco, é que tudo foi feito com a sua forma e jeito, sem pressa e sem o apego das opiniões futuras: Maria Bethânia cantou aquilo que queria e pronto. Jogou no disco todo o seu respeito e amabilidade para com a obra de Roberto e fez tudo com muito amor e carinho, sem pensar no destino final. E, claro, o resultado soou como sendo um dos melhores discos da cantora, batendo recordes de vendas e fazendo com que a Abelha Rainha saísse ainda mais vitoriosa no circuito nacional. Do título às canções posteriores, tudo se enquadra perfeita e milimetricamente na voz da cantora, sem deixar que a conjectura do amor ou do falso amor falasse mais alto. Das dores de cotovelo ao amor surreal, as canções escolhidas casam-se diretamente com aquilo que foi sublinhado por Roberto e Erasmo Carlos no passado: Bethânia apenas colocou sua voz naquilo que já estava batido, mas não velho, dosando lirismo e poetismo, amor febril e amor puritano. A forma habitual das músicas cantadas por Maria Bethânia na sua pluralidade maior e na oração à mensagem fazem das rimas um par perfeito entre a emoção da canção e a fineza da alma lírica musicada por dois gênios românticos brasileiros. Maria Bethânia, no ar de sua graça e na leveza de seu espírito, transforma As canções que você fez pra mim em uma aula de etiqueta musical, tendo todo o reverberamento, a fenda e a quebra de sua personificação como grandeza maior.

 

As canções que você fez pra mim (1993) / Maria Bethânia
Nota 10
Marcelo Teixeira

sexta-feira, 11 de julho de 2014

O encontro de Márcia Tauil, Roberto Menescal e Jaques Morelenbaum no show Conexão Rio-Brasília


Márcia Tauil e Roberto Menescal: duas gerações
Nas palavras de Roberto Menescal, há dois tipos de música: a popular brasileira e a pra pular brasileira. E neste segmento, um dos pais da Bossa Nova em maior atividade no momento faz da nossa música popular brasileira um dos melhores caminhos para duas atividades únicas: divulgar um belo trabalho encabeçado por ele, a cantora mineira Márcia Tauil e o violoncelista Jaques Morelenbaum e automaticamente arrecadar verba para a operação do garoto Pedrinho (www.amigosdopedrinho.com.br). Intitulado Conexão Rio-Brasília, o show mistura o melhor da Bossa Nova na voz suave e cristalina da cantora Márcia Tauil e faz das duas cidades um elo de amizade, musicalidade e muita emoção. Considerada a quinta melhor cantora dos últimos anos da MPB pelo Mais Cultura Brasileira!, a cantora de Guaxupé vem se consolidando como uma das vertentes mais significativas dentro do universo da música brasileira, com discos de altíssima qualidade e com uma afinação vocal espetacular. Sendo assim, a cantora, que tem no curriculo o excelente Sementes no Vento (1998), em que canta as músicas de Eduardo Gudin e J.C. Costa Netto, teve participação efetiva no CD Elas Cantam Menescal (2012) em homenagem ao patrono bossa novista, ao lado de outras três grandes vozes femininas, como Sandra Duailibe, Cely Curado e Nathália Lima. A cantora estará ao lado de Menescal e de Morelenbaum intepretando sucessos como Você (Menescal e Bôscoli), Ah, se eu pudesse (Menescal e Bôscoli) e O Barquinho (Menescal e Bôscoli), como também a atualíssima Clube da Bossa (uma parceria de Menescal com Márcia Tauil), em homenagem ao próprio Clube da Bossa de Brasília, e que está presente no Cd Elas cantam Menescal. A inspiração para o show veio a partir da ideia da localidade de cada músico: Menescal e Jaques residem no Rio de Janeiro e estão se unindo aos artistas brasilienses com atuação do Clube da Bossa de Brasília, que mantêm viva a história e a cultura da Bossa Nova, gênero musical de maior aceitação e mundialmente conhecida. O show contará com a participação dos musicos Salomão di Pádua (voz), Leander Motta (bateria), Jaime Ernest Dias (violão) e Cleudson Assis (piano). A temática do show é trazer ao público jovem e aos que não abandonaram o banquinho e o violão, a música de Roberto Menescal interpretada por artistas de diferentes gerações e do próprio anfitrião. E o convite aos músicos Leander Motta, Cleudson Assis e ao cantor Salomão di Pádua reforça a ideia do encontro de gerações, solidifcando o nome do show. Você não pode perder este grande espetáculo!

 

 

Show: Conexão Rio-Brasília

Local: Clube da Bossa

Data: 19/07/2014

Horário: 11:30

Preço: 20,00 (inteira) / 10,00 (meia)

Como comprar os ingressos: venda na bilheteria do teatro a partir das 10:30 do dia 19/07/2014.

 

Show Conexão Rio-Brasília com Márcia Tauil, Roberto Menescal e Jaques Morelenbaum
Marcelo Teixeira

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Jessé: O Senhor da voz


Jessé: grande voz
Não houve e nem haverá um cantor igual a Jessé. Hoje esquecido das grandes mídias, o cantor vive na lembrança de quem viveu a década 1980 e os herdeiros destes, que, assim como eu, não o conheceu em vida. Mas graças ao meu pai, tive uma infância marcada por boa música, seja brega ou romântica, samba ou bossa nova e ouvi muito o cantor Jessé. Lembro-me dele nos programas do Chacrinha, sempre impecável, tímido, cantando para cada pessoa que o assistia. Mas por que Jessé me hipnotiza tanto? Muitos cantores de hoje se renderam ao fascismo da mídia e ao crescimento ilicíto do mercado fonográfico, que insiste em produzir música comercial de péssima qualidade. Exceto rarissimos cantores escondidos em nosso país, nos dias de hoje não temos mais um cantor que toque em nossa alma tão fundo e certeiro, que nos deixa transtornados a ponto de cairmos na tentação de varrer sua vida. Antigamente era assim: os fãs tinham mais liberdade em poder ter um ou outro cantor que lhe desse o direito de ser chamado de cantor. Jessé era mais que um simples cantor: ele era um artista completo, que emocionava plateias, adultos e crianças, mulheres e principalmente os homens, que ficavam embasbacados com sua maneira de impôr no palco. A frase Jessé não canta, ele humilha ganhou forças nas redes sociais que tentam manter a imagem do cantor ainda mais viva. Com sua voz de trovão e com sua postura de palco, o cantor revolucionou a música dos anos 1980 e se tornou líder absoluto no cenário nacional. No decorrer de sua brilhante carreira, Jessé gravou 12 discos, como os álbuns duplos O Sorriso ao Pé da Escada (1983) e Sobre Todas as Coisas (1984), mas o sucesso de maior grandeza é a música Porto Solidão, que até hoje faz de sua lembrança um dos maiores cantores brasileiros. A música foi apresentada no Festival MPB Shell e o cantor ganhou o prêmio de melhor intérprete. Jessé morreu em 1993 em um acidente de carro e daquele ano até hoje, muita coisa mudou, muitos cantores surgiram e desapareceram, o pagode e o sertanejo venceram barreiras e ao mesmo tempo despencaram e muitos esqueceram Jessé. O Mais Cultura Brasileira! traz um vídeo em que o cantor Jessé canta seu maior clássico, Porto Solidão e notem como era a sua postura e seu jeito irretocável de cantar. Portanto, VIVA JESSÉ!


 

Jessé
Marcelo Teixeira

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Os olhos de Adriana Calcanhotto


Os olhos de onda de Adriana
Desde Maritimo (1998), que Adriana Calcanhotto devia um disco a altura de seu talento. Não que os discos seguintes sejam menores, mas o fato é que a cantora passou a cantar acompanhada de banquinho e violão e deixou outros instrumentos para outro campo. Mas Adriana não precisa de outros instrumentos, porque o violão que a acompanha e o banquinho que lhe é seu melhor amigo, faz de todo o palco um ambiente confortável e original e a voz da cantora passa a ser um alívio de musicalidade quando começa a dedilhar as cordas. Lançando Olhos de Onda (2014 / Sony Music / 19,99), o disco seria um discão se não fosse alguns erros perdoáveis da cantora, como, por exemplo, ficar no ar bossa novista em tempos em que a música exige muito mais que isso. Não que a Bossa Nova esteja perdida no tempo, mas Adriana poderia utilizar da artimanha de se inovar no disco através de ousadias pitorescas que apenas ela consegue fazer (e vem fazendo isso com habilidade) para pincelar aqui ou ali um momento de descontração com relação à sua música. Pincelando canções de discos anteriores e mais focado nos esquecidos Maré (2008) e Cantada (2003), a cantora deu um sopro de respiração aguda e pensou numa estratégia para não cair no marasmo de Público (1999) que mais se parece com Olhos de Onda na sua forma mais ampla e elaborada. Olhos de Onda é o título da música número sete, inédita e simples, mas que tem o carimbo da cantora gaúcha. A sacada genial de Adriana Calcanhotto para que Olhos de Onda superasse os outros lançamentos e, automaticamente, ficasse em alta no mercado fonográfico do ano, foi a regravação de Me dê Motivos, imortalizada na voz inconfundível de Tim Maia e a versão de Back to Black, da cantora Amy Winehouse, fazendo uma comparação assim como em Cantada, quando a cantora deu voz a música Music, de Madonna e surpreendeu ao público pelo timbre agudo e pela inspiração que causou. Aqui não é diferente e até as fotos do encarte são sensacionais. Músicas manjadas, como Maresia, o álbum é repleto de sucessos que a própria Adriana não cantara mais em discos, como Metade, Esquadros ou Inverno. Mas vale a pena ouvir o disco porque Adriana Calcanhotto voltou renovada depois de Micróbio do Samba (2011) e trazendo na bagagem poemas de Augusto dos Campos, a música de Caetano Veloso, O Nome da Cidade, e a sua paixão pelo Rio de Janeiro. Não chega a ser o melhor disco de Adriana Calcanhotto, mas que o repertório foi muito bem pensado e elaborado, isso sem sombra de dúvidas ajudou e muito na sua colocação entre as melhores, fortes e firmes cantoras da velha e boa música popular brasileira.
 
Olhos de Onda / Adriana Calcanhotto
Nota 9
Marcelo Teixeira